Revista Reformada Nº 10 - A Cruz de Cristo - Paul Washer
O
sacrifício de Cristo na Cruz é um dos pontos mais importantes do
Cristianismo, mas ainda sim ainda é muito mal explorado e explicado nos
púlpitos brasileiros.
O que verdadeiramente aconteceu?
Por que Cristo gritou: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste”?
Por que Deus abandonou seu Filho para sofrer tamanho tormento?
Deus realmente o abandonou?
Paul Washer nos mostra com mais clareza o que de fato aconteceu no Madeiro.
Que Deus abençoe a todos nós com essa exposição.
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A Cruz de Cristo
E,
à hora nona, Jesus exclamou com grande voz, dizendo: Eloí, Eloí, lamá
sabactâni? que, traduzido, é: Deus meu, Deus meu, por que me
desamparaste?
Marcos 15:34
Uma
das minhas maiores preocupações é que a Cruz de Cristo é raramente
explicada. Não é suficiente dizer que “Ele morreu” - porque todos os
homens morrem. Não é suficiente dizer que “Ele teve uma morte nobre” –
porque os mártires fazem o mesmo. Devemos entender que ainda não
proclamamos plenamente a morte de Cristo, com poder salvador, até que
tenhamos esclarecido todas as confusões que a rodeiam e tenhamos exposto
o seu verdadeiro significado aos nossos ouvintes – Ele morreu
carregando as transgressões do seu povo e sofreu a pena divina por
pecados deles: Ele foi abandonado por Deus e esmagado sob a ira de Deus,
em nosso lugar.
Abandonado por Deus
Uma
das passagens mais perturbadoras, até mesmo assombrosas, das Escrituras
é o registro de Marcos sobre o grande clamor do Messias quando Ele
estava pendurado numa cruz romana. Em voz alta Ele gritou:
“Eloí, Eloí, lamá sabactâni? que, traduzido, é: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mc 15:34).
À
luz do que sabemos sobre a natureza impecável do Filho de Deus e sua
perfeita comunhão com o Pai, é difícil entender as palavras de Cristo,
mas mesmo assim nelas encontramos o significado da Cruz, e encontramos a
razão para a morte de Cristo. O fato de que Suas palavras também terem
sido registradas na língua original, em hebraico, nos mostra o quanto
elas são importantes. O autor não quer que haja mal entendidos ou que
qualquer coisa se perca.
Nestas
palavras, Jesus não está apenas clamando a Deus, mas como um professor,
Ele também está direcionando seus espectadores e todos os futuros
leitores para uma das mais importantes profecias Messiânica do Antigo
Testamento - Salmo 22. Apesar de todo o Salmo estar repleto de
profecias detalhadas da Cruz, nós vamos nos preocupar apenas com os seis
primeiros versos:
“1DEUS meu, Deus meu, por que me desamparaste? Por que te alongas do meu auxílio e das palavras do meu bramido? 2Deus meu, eu clamo de dia, e tu não me ouves; de noite, e não tenho sossego. 3Porém tu és santo, tu que habitas entre os louvores de Israel. 4Em ti confiaram nossos pais; confiaram, e tu os livraste. 5A ti clamaram e escaparam; em ti confiaram, e não foram confundidos. 6Mas eu sou verme, e não homem, opróbrio dos homens e desprezado do povo.” (Salmo 22:1-6)
Nos
dias de Cristo, as Escrituras Hebraicas não eram separadas em números,
capítulos e versículos como são hoje. Portanto, quando um rabino
procurava dirigir os seus ouvintes a um salmo ou certa porção das
Escrituras, ele iria fazê-lo recitando as primeiras linhas do texto.
Neste grito da Cruz, Jesus dirige-nos ao Salmo 22 e nos revela algo do caráter e do propósito dos seus sofrimentos.
No
primeiro e segundo verso, nós ouvimos a reclamação do Messias - Ele se
considera abandonado por Deus. Marcos usa a palavra grega egkataleípo, o que significa abandonar, ou desertar. O salmista usou a palavra hebraica azab,
que significa deixar, soltar ou abandonar. Em ambos os casos, a
intenção é clara. O próprio Messias está consciente de que Deus o
abandonou e que se fez de surdo ao seu clamor. Este não é um abandono
simbólico ou poético. É real! Se houve uma criatura que alguma vez
sentiu o abandono de Deus, essa criatura foi o Filho de Deus na cruz do
Calvário!
No quarto e quinto versículo
do Salmo, a angústia sofrida pelo Messias se torna mais aguda ao
recordar a fidelidade do pacto de Deus para com seu povo. Ele declara:
“Em ti confiaram nossos pais; confiaram, e tu os livraste. A ti clamaram e escaparam; em ti confiaram, e não foram confundidos.”
A
aparente contradição é clara. Nunca houve um só momento na história em
que o povo da aliança de Deus houvesse visto um homem justo clamar a
Deus e não ser resgatado. No entanto, o Messias imaculado está
dependurado do madeiro completamente desamparado. Qual poderia ser a
razão pelo desamparo de Deus? Por que virou as costas a Seu Filho
unigênito?
Entrelaçadas no pranto do Messias se encontram as respostas a essas inquietantes perguntas. No terceiro
versículo, Ele faz a inquebrantável declaração de que Deus é Santo, e
logo, no sexto versículo, Ele admite a atrocidade – Ele tinha se
convertido em um verme, e já não era um homem. Por que o Messias
utilizaria tal linguagem pejorativa consigo mesmo? Acaso se enxergava a
si mesmo como um verme porque tinha convertido-se em “opróbrio dos homens e desprezado do povo” (v. 6),
ou tinha uma razão mais espantosa para Sua autodepreciarão? Porque ele
não clamou, “Deus meu, Deus meu, por que o povo me há desamparado?” Mas,
ele se esforçou em saber por que Deus o tinha feito! A resposta pode
ser encontrada em somente uma amarga verdade: o Senhor tinha feito com
que toda a nossa iniquidade tivesse caído sobre Ele, e como um verme,
Ele foi desamparado e moído em nosso lugar.
Essa
metáfora sombria do Messias agonizante não está somente nessa porção
das Escrituras. Existem outras que nos levam ainda mais fundo ao coração
da Cruz e revela-nos que foi necessário que “Ele padeça muito”
em ordem de obter a redenção de seu povo. Se trememos diante das
palavras do Salmista, seremos ainda mais abatidos ao ouvir o Filho de
Deus, três vezes santo, converter-se na serpente levantada do deserto, e
depois, no cordeiro expiatório que carregava o pecado e que era deixado
para ir morrer sozinho.
A primeira metáfora se encontra em Números. Por causa da constante rebelião de Israel em relação a Deus e a rejeição de Sua provisão misericordiosa, o Senhor enviou “serpentes ardentes”
entre o povo e muitos morreram. No entanto, como resultado do
arrependimento do povo e da intercessão de Moisés, Deus mais uma vez deu
provisão para sua salvação. Ele ordenou a Moisés: “Faze-te uma serpente ardente, e põe-na sobre uma haste; e será que viverá todo o que, tendo sido picado, olhar para ela” (Números 21:8).
A
princípio parece contraditória a lógica que “a cura tivesse a
semelhança daquele que havia ferido”. No entanto, ela provém uma
poderosa imagem da cruz. Os israelitas estavam morrendo do veneno das
serpentes ardentes. O homem morre do veneno de seu próprio pecado. A
Moisés lhe havia sido ordenado colocar a causa da morte no alto em uma
haste. Deus colocou a causa de nossa morte sobre Seu próprio Filho ao
levantá-lo alto sobre a cruz. Ele tinha vindo “semelhança da carne do pecado” (Romanos 8:3), e foi feito “pecado por nós” (2 Coríntios 5:21).
Os israelitas que cressem em Deus e olhassem para a serpente de bronze
viveriam. O homem que crê no testemunho de Deus em relação a Seu Filho e
lhe vê com fé, será salvo. Como está escrito, “olhai para mim, e sereis salvos, vós, todos os termos da terra; porque eu sou Deus, e não há outro” (Isaías 45:22).
A
segunda metáfora encontra-se no livro sacerdotal de Levítico. Como era
impossível que um só sacrifício ilustrasse ou simbolizasse completamente
a morte expiatória do Messias, um sacrifício envolvendo dois cordeiros
foi posto diante do povo. O primeiro cordeiro foi imolado como oferenda
pelo pecado perante o Senhor, e seu sangue foi aspergido na frente do
propiciatório da parte de trás do véu do santo dos santos. Isso
simbolizava a Cristo, que derramou Seu sangue na cruz para expiar pelos
pecados de Seu povo. O segundo cordeiro era apresentado diante do Senhor
como cordeiro expiatório. O Sumo sacerdote “porá ambas as suas mãos
sobre a cabeça do bode vivo, e sobre ele confessará todas as iniquidades
dos filhos de Israel, e todas as suas transgressões, e todos os seus
pecados” (Levítico 16:21). O cordeiro então era enviado ao
deserto levando a iniquidade do povo a um lugar de erro. Ali vagava
sozinho, desamparado de Deus e cortado do meio do povo. Simbolizava a
Cristo que “Levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro” (1 Pedro 2:24) sofreu e morreu sozinho “fora do arraial”. O que era apenas simbólico na Lei se tornou em uma realidade excruciante para o Messias.
Não
é assombroso que um verme, uma serpente venenosa, e um cordeiro sejam
postos como símbolos de Cristo? Identificar o Filho de Deus com coisas “aborrecíveis” seria blasfemo se não viesse dos santos do Antigo Testamento “inspirados pelo Espírito Santo” (2 Pedro 1:21)
e confirmadas pelos autores do Novo Testamento que vão mais além nas
sombrias descrições. Debaixo da inspiração do Espírito Santo eles são o
suficientemente audazes para dizer que aquele que “não conheceu o pecado” “se tornou”, e Ele que foi amado do Pai foi “feito maldição” diante Dele. Temos escutado essas verdades antes, porém, será que nós as consideramos o suficiente para sermos quebrantados?
Na cruz, Ele que é declarado “santo, santo, santo” pelo coro dos serafins, se “fez”
pecado. A viagem ao significado dessa frase quase parece ser muito
perigosa para trilharmos. Tropeçamos diante do primeiro passo. O que
significa que Aquele em quem “nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Colossenses 2:9), se “fez pecado”?
Não devemos explicar ligeiramente a verdade tratando de proteger a
reputação do Filho de Deus e ainda assim, também, devemos ter cuidado de
não falar coisas terríveis contra seu caráter impecável e imutável.
Segundo as Escrituras Cristo se “fez pecado” na mesma forma em que os pecadores se “convertem na justiça de Deus” n’Ele. Na sua segunda epistolo à igreja de Corínto o apóstolo Paulo escreve:
“Aquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21)
O crente não é “justiça de Deus”
por alguma obra purificadora ou aperfeiçoadora no seu caráter que o
faça ser igual a Deus e sem pecado, mas como resultado da imputação pela
qual ele é considerado justo ante Deus pela obra de Cristo em seu
favor. Da mesma maneira Cristo não se fez pecado por ter um caráter
manchado ou sujo, e, portanto, tornando-se depravado, mas como resultado
da imputação pelo que foi considerado culpável perante o juízo de Deus
em nosso favor. Essa verdade, porém, não deve causar que pensemos menos
da declaração de Paulo que Cristo se “fez pecado”, ainda que
tenha sido uma culpa imputada, foi uma culpa real, trazendo uma
inquietante culpa para Sua alma. Ele tomou nossas culpas como suas,
esteve em nosso lugar, e morreu desamparado por Deus.
Que
Cristo se fez pecado é uma verdade tão terrível quanto incompreensível,
e mesmo assim, justamente quando pensamos que não se pode dizer
palavras mais escuras contra Ele, o apóstolo Paulo acende uma lâmpada e
nos leva mais ao fundo do abismo de humilhação e desamparo de Cristo.
Entramos na caverna mais profunda para encontrar ao Filho de Deus
pendurado na cruz e levando seu título mais infame – o maldito de Deus!
As Escrituras declaram que toda a humanidade está sob maldição. Como está escrito, “Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las” (Gálatas 3:10).
Desde a perspectiva celestial, aqueles que quebrantam a Lei de Deus são
maus e dignos de aversão. São miseráveis, corretamente expostos à
vingança divina, e justamente fadados à destruição eterna. Não é um
exagero falar que a última coisa que o pecador maldito ouvirá quando ele
der o seu primeiro passo no inferno é toda a criação se pondo de pé e
aplaudindo a Deus por ter livrado a terra de tal pecador. Tal é a
maldade daqueles que quebram a Lei de Deus, e tal é o desdém do santo
para com o ímpio. E ainda assim, o Evangelho nos ensina que “Cristo
nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque
está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro” (Gálatas 3:30).
Cristo converteu-se no que nós éramos a fim de nos redimir do que
merecíamos. Ele converteu-se em um verme, a serpente alçada no deserto, o
cordeiro enviado fora do acampamento, o carregador de pecados, e Aquele
sobre o qual a maldição de Deus caiu. É por essa razão que o Pai o
rejeitou e todo o céu escondeu seu rosto.
É uma grande tragédia que o verdadeiro significado do “clamor da cruz”
de Cristo frequentemente tenha se perdido em um clichê romântico. Não é
raro ouvir a um pregador declarar que o Pai se afastou do Filho porque
não conseguia testemunhar o sofrimento infligido pelas mãos de homens
malvados. Tais interpretações são uma completa distorção do texto e do
que realmente transpirou na cruz. O Pai rejeitou a Seu Filho não porque
lhe tenha faltado força para testemunhar seu sofrimento, mas sim porque “Aquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21).
Ele colocou nossos pecados sobre Ele e lhe rechaçou porque Seus olhos
são demasiadamente puros para aprovar o mal e não pode ver a maldade com
favor.
Não
é sem razão que muitos folhetos bíblicos ilustram um abismo entre um
Deus santo e o homem pecador. As Escrituras estão completamente de
acordo com tal ilustração. Como o profeta Isaías clamou:
“Eis
que a mão do SENHOR não está encolhida, para que não possa salvar; nem
agravado o seu ouvido, para não poder ouvir. Mas as vossas iniquidades
fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o
seu rosto de vós, para que não vos ouça.” (Isaías 59:1-2)
É
por isso que todos os homens teriam vivido e morrido separados da
favorável presença de Deus e debaixo da ira divina se o Filho de Deus
não houvesse estado em seu lugar, levado o seu pecado, e morrido “desamparado de Deus” em favor deles. Para fechar a brecha e restaurar a comunhão, “não convinha que o Cristo padecesse estas coisas?” (Lucas 24:26).
Cristo morreu sob a ira de Deus
Para
obter a salvação de Seu povo, Cristo não somente sofreu o terrível
desamparo de Deus, mas Ele bebeu o amargo cálice da ira de Deus e morreu
uma morte sangrenta em lugar de seu povo. Somente assim a justiça
divina pode ser satisfeita, a ira de Deus apaziguada, e a reconciliação
possível.
No jardim, Cristo orou três vezes para que “o cálice”
fosse removido d’Ele, mas todas as vezes a Sua vontade entregava-se a
vontade do Pai. Devemos nos perguntar: o que continha nesse cálice para
que fizesse com que Ele rogasse tão fervorosamente? O que continha no
cálice para causar tal angústia que Seu suor se mesclasse com sangue?
Frequentemente é dito que o cálice representava a cruel Cruz romana e a
tortura física que lhe esperava – É dito que Cristo previu a ‘cauda de
gato’ sendo usada em suas costas, as coroas de espinhas penetrando sua
fronte, e os cravos atravessando Suas mãos e Seus pés. Ainda assim,
aqueles que enxergam essas coisas como a fonte de Suas angústias não
entendem a Cruz, nem o que ocorreu lá. Ainda que as torturas o
cobrissem, pelas mãos humanas, elas faziam parte do plano redentor de
Deus; Havia algo muito mais sinistro que evocou o clamor do Messias.
Nos
primeiros séculos da igreja primitiva, milhares de cristãos morreram em
cruzes. É dito que Nero os crucificava ao contrário, ele os cobria de
alcatrão, e lhes ateava fogo para usar como luzeiros nas cidades de
Roma. Através das épocas, desde então, um sem número de cristão foram
levados às mais inquietantes torturas e, mesmo assim, é o testemunho de
amigos e inimigos que muitos deles foram para a morte com grande coragem
e ousadia. Será que devemos crer que os seguidores do Messias
enfrentaram uma morte tão cruel com alegria, enquanto que o Capitão de
sua Salvação se acovardou no jardim, com medo da mesma tortura? Acaso o
Cristo de Deus temeu os chicotes e espinhos, cruzes e lanças, ou será
que o cálice representava um terror infinitamente maior que a crueldade
humana?
Para
entender o conteúdo sinistro desse cálice, devemos nos dirigir às
Escrituras. Existem duas passagens em particular que devemos considerar –
uma nos salmos e a outra em Jeremias:
“Porque
na mão do SENHOR há um cálice cujo vinho é tinto; está cheio de
mistura; e dá a beber dele; mas as escórias dele todos os ímpios da
terra as sorverão e beberão.” (Salmos 75:8).
“Porque
assim me disse o SENHOR Deus de Israel: Toma da minha mão este copo do
vinho do furor, e darás a beber dele a todas as nações, às quais eu te
enviarei. Para que bebam e tremam, e enlouqueçam, por causa da espada,
que eu enviarei entre eles.” (Jeremias 25:15-16).
Como
resultado da incessante rebeldia dos ímpios, a justiça de Deus havia
decretado um juízo contra eles. Deus, justamente, derramaria sua
indignação sobre as nações. Ele colocaria o cálice de vinho da Sua ira
em suas bocas e forçaria-lhes a tomar até o fim. O simples pensamento de
que tal destino espera o mundo é absolutamente terrível, e ainda assim
esse teria sido o destino de todos, exceto que a misericórdia de Deus
buscou a salvação do povo, e a sabedoria de Deus elaborou um plano de
redenção ainda desde antes da fundação do mundo.
O
Filho de Deus se faria homem e caminharia sobre a terra em perfeita
obediência à Lei de Deus. Ele seria como nós em todos os sentidos, e
tentado em todas as maneiras como nós, mas sem pecado. Ele viveria uma
vida perfeitamente justa para glória de Deus e em lugar de Seu povo.
Então, no tempo designado, Ele seria crucificado pelas mãos de homens
ímpios, e naquela cruz, Ele levaria a culpa de Seu povo, e sofreria a
ira de Deus contra eles. O perfeito Filho de Deus e verdadeiro Filho de
Adão juntos em uma gloriosa pessoa tomaria o amargo cálice da mão do
próprio Deus e o beberia até o fim. Ele o tomaria até que fora
“consumado”, e a justiça de Deus fora completamente satisfeita. A ira
divina que devia ter sido nossa seria exaurida sobre o Filho, e por Ele,
seria extinta.
Imagine
uma represa que está cheia até a borda e está sendo pressionada pelo o
peso da água. De uma vez só o muro protetor é removido e o poder
destrutivo é liberado. Com a certeira destruição indo diretamente até um
vilarejo, localizado em um vale próximo, de repente a terra se abre e
traga a água que causaria tamanho arrasado. Da mesma forma, o justo
juízo de Deus corria em direção a cada homem. Não se podia achar escape
na montanha mais alta nem no abismo mais profundo. Os pés mais velozes
não poderiam escapar, nem o melhor nadador suportar sua maré. A represa
foi rachada e nada poderia conserta seu dano. Porém, quando toda
esperança humana foi esgotada, no tempo oportuno, o Filho de Deus se
interpôs. Ele se colocou entre a justiça divina e a Sua gente. Ele tomou
a ira que seu povo tinham provocado e o castigo que eles mereciam.
Quando Ele morreu nem uma gota de ira restou. Ele a bebeu toda!
Imaginem
duas pedras de moinho, uma girando sobre da outra. Imaginem que entre
as pedras existe um grão de trigo que é esmagado pelo grande peso.
Primeiro, é moído até ser irreconhecível, e depois suas partes internas
são espalhadas e moídas até se tornarem pó. Não há qualquer esperança de
reconstruí-lo. Tudo está perdido além de qualquer esperança. Assim, de
igual maneira, “ao SENHOR agradou moê-lo” (Isaías 53:10), a
Seu próprio Filho, e colocá-lo em indescritível angústia. Portanto,
agradou ao Filho submeter-se a tal sofrimento a fim que Deus fosse
glorificado e o povo redimido. Não é que Deus se tenha sentido prazer no
sofrimento de Seu amado Filho, mas através de sua morte, a vontade de
Deus se cumpriu. Nenhum outro meio tinha poder de remover o pecado,
satisfazer a justiça, e apaziguar a ira de Deus contra nós. A menos que
esse divino grão de trigo tivesse caído ao chão e morrido, haveria
permanecido sozinho sem um povo ou uma noiva. O prazer não estava no
sofrimento, mas em tudo o que o sofrimento conseguiria: Deus seria
revelado em uma glória ainda desconhecida aos homens e anjos, e um povo
seria trazido a uma relação sem obstáculo com o seu Deus.
Em
uma das histórias mais épicas do Antigo Testamento, o patriarca Abraão
recebe a ordem de levar seu filho, Isaque, ao monte Moriá e ali o
oferecesse como sacrifício a Deus.
“Toma
agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à
terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas,
que eu te direi.” (Gênesis 22:2).
Que
carga foi posta sobre Abraão! Não podemos nem imaginar a tristeza que
encheu o coração do velho homem e a tortura que cada passo da viagem
trouxe. As Escrituras são cuidadosas em nos contar que ele foi ordenado a
oferecer seu “filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas”. A
especificação parece planejada para chamar nossa atenção e nos fazer
pensar que há um significado oculto nessas palavras, além do que podemos
enxergar.
No
terceiro dia os dois chegaram ao lugar indicado, e o pai atou a seu
amado filho, com suas próprias mãos. Finalmente, em submissão ao que
deveria fazer, pôs sua mão sobre seu filho, “e tomou o cutelo para imolar o seu filho”.
Nesse momento, a misericórdia e a graça de Deus se interpuseram, e a
mão do ancião foi detida. Deus o chamou desde o céu e disse:
“Abraão,
Abraão!... Não estendas a tua mão sobre o moço, e não lhe faças nada;
porquanto agora sei que temes a Deus, e não me negaste o teu filho, o
teu único filho.” (Gênesis 22:12).
À
voz do Senhor, Abraão levantou os olhos e viu a um carneiro enroscado
pelos chifres. Tomou o carneiro e o ofereceu em lugar de seu filho. E
logo nomeou o lugar de YHWE-Jireh, ou “O SENHOR PROVERA”. É um dito fiel que permanece até o dia de hoje, “No monte do SENHOR se proverá” (Gn 22:14).
Ao ver o encerramento desse momento épico na história, não somente
Abraão, mas também todos os que já leram esse acontecimento dão um
suspiro de alívio, que o jovem tenha sido poupado. Pensamos nós “que final lindo”, mas esse não era o fim, era simplesmente um intervalo.
Dois
mil anos mais tarde, as cortinas voltam a se abrir. O fundo é escuro e
sinistro. No centro do cenário está o Filho de Deus no monte, chamado
Lugar da Caveira. Ele está atado pela obediência à vontade de seu Pai.
Ele está pendurado levando o pecado de Seu povo. Ele é maldito – traído
por sua criação e desamparado por Deus. Então, o silêncio é rasgado com o
horrível estrondo da ira de Deus. O pai toma o cutelo, levanta o braço,
e sacrifica a “teu filho, único filho, a quem amas” e as palavras do profeta Isaías são cumpridas:
“Verdadeiramente
ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou
sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido.
Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa
das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e
pelas suas pisaduras fomos sarados... Todavia, ao SENHOR agradou
moê-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do
pecado, verá a sua posteridade, prolongará os seus dias; e o bom prazer
do SENHOR prosperará na sua mão” (Isaías 53:4,5,10).
É
uma injustiça ao Calvário que a verdadeira dor da cruz frequentemente é
floreada por uma visão romântica e menos poderosa. Frequentemente se
pensa e se prega que o Pai olhou desde o céu e testemunhou o sofrimento
que era acumulado sobre Seu Filho por mãos humanas, e que Ele contou tal
aflição como pagamento pelos nossos pecados. Isso é heresia da pior
classe. Cristo satisfez a justiça divina não somente suportando a
aflição dos homens, mas suportando e morrendo sob a ira de Deus. É
necessário mais que cruzes, coroas de espinhos, cravos e lanças, para
pagar pelo pecado. O crente é salvo não só pelo que os homens fizeram a
Cristo na cruz, mas pelo que Deus fez a Ele – Ele o moeu sob toda a
força de Sua ira contra nós. Raramente essa verdade se faz
suficientemente clara em nossa pregação do evangelho!
A
cortina se fecha com um Filho sacrificado e um Messias crucificado.
Diferente de Isaque, não havia carneiro que morresse em Seu lugar. Ele
era o cordeiro que morreria pelos pecados do mundo. Ele é a provisão de
Deus para a redenção de Seu povo. Ele é o cumprimento daquilo que o
carneiro e Isaque eram somente sombras. Nele o monte do Calvário é
renomeado YHWE-Jireh, ou “O SENHOR PROVERA”. É uma palavra fiel até o dia de hoje que “No monte do Senhor se proverá”.
O Calvário era o monte e a salvação foi providenciada. Assim, o crente
discernente clama “Deus, Deus, sei que me amas já que não recusaste nem a
teu filho, teu único filho”.
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