quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

COMENTARIO DE JOÃO 1.13--JOÃO CALVINO

Quem não nasceram do sangue. Alguns pensam que uma referência indireta é aqui feita à confiança absurda dos judeus, e de bom grado adoto essa opinião. Eles tinham continuamente em sua boca a nobreza de sua linhagem, por assim dizer, porque eles eram descendentes de um grupo de santos, e assim eram naturalmente santos. E, justamente, eles poderiam ter se vangloriado de sua descendência de Abraão, se tivessem sido filhos legais, e não bastardos; mas o brilho da fé atribui nada à geração carnal, mas reconhece a sua obrigação para com a graça de Deus apenas, por tudo que é bom. João, por isso, diz que os entre os gentios anteriormente imundos, mas que crêem em Cristo, não nascem filhos de Deus desde o ventre, mas são renovados por Deus, para que possam começar a ser seus filhos. A razão pela qual ele usa a palavra sangue no plural parece ter sido, para que pudesse expressar mais plenamente uma longa sucessão de linhagem, porque esta era uma parte da vanglória entre os judeus, que poderiam traçar a sua ascendência, por uma linha ininterrupta, até os patriarcas.
A vontade da carne e a vontade do homem parecem pra mim se referir a mesma coisa; pois eu não vejo razão do porque a carne deva significar mulher, como Augustinho e muitos outros explicam. Ao contrário, o Evangelista repete a mesma coisa em uma variedade de palavras, a fim de explicá-la mais plenamente, e a expressa mais profundamente na mente dos homens. Embora ele se refira diretamente aos Judeus, ainda assim dessa passagem uma doutrina geral pode ser obtida: que nosso reconhecimento como filhos de Deus não pertence a nossa natureza, e não procede de nós, mas porque Deus nos gerou voluntariamente (Tiago 1:18) ou seja, do amor imerecido. Portanto seguisse, primeiro, que a fé não procede de nós mesmo, mas é um fruto da regeneração espiritual; pois o Evangelista afirma que nenhum homem pode acreditar, a menos ele seja nascido de Deus; e, portanto, a fé é um dom celestial. Seguisse, secundariamente, que a fé não é um mero e frio conhecimento, visto que nenhum homem pode crer se não tiver sido renovado pelo Espírito de Deus.
Pode ser pensado que o Evangelista troca a ordem natural por fazer a regeneração preceder a fé, ao passo que, ao contrário, é um efeito da fé, e, portanto, deve ser colocado depois. Eu respondo que ambas as afirmações concordam perfeitamente; porque pela fé nós recebemos a semente incorruptível, (1 Pedro 1:23) pela qual nós nascemos de novo para uma vida nova e divina. E ainda assim a própria fé é uma obra do Espírito Santo, que habita em ninguém a não ser nos filhos de Deus. Portanto, e vários sentidos, a fé é uma parte de nossa regeneração, e a entrada no reino de Deus, para que Ele possa nos considerar seus filhos. A iluminação de nossas mentes pelo Espírito Santo pertence a nossa renovação, e assim a fé vem da regeneração como fonte; mas visto que é a mesma fé que nós recebemos Cristo, que nos santifica pelo seu Espírito, por esta razão nos é dito como sendo o início de nossa adoção.
Uma outra solução, ainda mais plena e fácil, pode ser oferecida; pois quando o Senhor sopra fé em nós, ele nos regenera por meios que ainda são desconhecidos e escondido de nós; mas depois de termos recebido fé, nós percebemos, pelo sentimento vívido da consciência, não apenas a graça da adoção, mas também a novidade de vida e outros dons do Espírito de Deus. Pois visto que a fé, como temos dito, recebe a Cristo, nos coloca em possessão, por assim dizer, de todas as suas bênçãos. Portanto, até onde sabemos, é apenas depois de termos crido – que nós começamos a ser filhos de Deus. Mas se a herança da vida eterna é o fruto da adoção, nós vemos como o Evangelista aponta a nossa inteira salvação para Cristo apenas; e, de fato, quão próximo qualquer homem possa se examinar, ele não achará nada que seja digno de ser filho de Deus, exceto o que Cristo tem derramado sobre eles.


Extraído do site: http://www.eleitosdedeus.org/comentarios-biblicos/comentario-de-joao-1-13-joao-calvino.html#ixzz1Eu5yvXaa

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COMENTARIO COLOSSENSES---1.9-12

“… crescendo no pleno conhecimento de Deus; sendo fortalecidos com todo poder, segundo a força de sua glória em toda a perseverança e longanimidade com alegria”. (vv. 10s.)
Precisamos ser fortalecidos na fé por uma tal força ou poder e devemos buscar esta força e ater-nos a ela por meio da palavra de Deus, e orar para que não haja apenas um começo, mas, também, continuidade e fim e, assim, esse poder aumente mais e mais. Agora, ser, assim, fortalecido e vencer, isso só pode dar-se em meio a muita paciência. Sim, e só paciência não basta, é preciso também longanimidade. E essa se distingue da paciência por ser maior e mais forte. Pois o diabo usa a seguinte tática: se não consegue vencer alguém por meio de sofrimento e tormentos, passa a usar a demora como arma, fazendo com que a paciência seja demais e muito longa, e pareça que não tem fim, de sorte que, finalmente, consegue enfraquecer e cansar a pessoa, tirando-lhe o ânimo e a esperança de vencer.
Para fazer frente a isso, é necessário, além da paciência, a longanimidade que se mantém firme e constante e continua a sofrer, dizendo assim: “Você não vai conseguir fazer com que isso me parece demais ou muito demorado, mesmo que dure até ao dia do juízo final”. Esse é o verdadeiro e nobre poder cristão, que, em meio à batalha e sofrimento, consegue suportar toda e qualquer demora. Mas, aqui, também precisamos, acima de tudo, o fortalecimento e o poder de Deus através da oração, para que não sejamos derrotados nesta árdua luta, mas cheguemos a bom termo. E essa paciência e longanimidade vocês devem crer e colocar em prática com alegria.

A IGREJA DE CRISTO E OS DESAFIOS DO NOVO MILENIO--FRANKLIN FERREIRA

Vivemos numa época chamada por muitos de “pós-moderna”, caracterizada por forte desconfiança da razão, muitas e novas “verdades”, individualismo e consumismo. Há uma semelhança muito grande entre o nosso tempo e a época em que o cristianismo surgiu. O que temos visto é o ressurgimento de uma cultura pagã, muito parecida com a cultura do tempo de Jesus e dos apóstolos. A Igreja Cristã hoje é ignorada pelo mundo, tendo que lutar por sua sobrevivência ao lado de muitos outros movimentos religiosos. Estas mudanças, que estão ocorrendo no mundo, tem tido poderosa influência sobre nossa doutrina, nossa pregação e nossa forma de ser igreja. Este estudo é dividido em duas partes. Na primeira, examinaremos brevemente o impacto na igreja de uma forma de pensar “pós-moderna”, e, na segunda parte, examinaremos onde a história da Igreja pode nos ajudar a mantermos a fé evangélica de forma fiel à herança cristã.

1. Qual o impacto da forma de pensar de nosso tempo na vida da igreja?

O impacto da “pós-modernidade” pode ser visto de forma muito forte no meio evangélico hoje. Atualmente é cada vez menor o número de pessoas que buscam adorar a Deus “em Espírito e em verdade” (Jo 4.24). Em nossas igrejas temos visto a influência deste novo paganismo, levando nossas comunidades a adotar ordens de culto em que o sentimento de reverência cede lugar à descontração e o bem-estar do adorador torna-se mais importante que a sua humilhação e dedicação a Deus. O Senhor Deus é transformado numa espécie de “força”, disponível sempre que necessário, mas que não incomoda. Louvor e adoração espontânea são a ênfase dos cultos – a pregação da Palavra de Deus muitas vezes é desprezada! Neste contexto, o canto e o louvor produzem um elevado clima emocional, onde é proposta uma “teologia” que não se apóia muito numa doutrina, mas que é baseada numa experiência emocional dos crentes, sem um apelo à razão. Por outro lado, o que podemos constatar é que a emocionalidade buscada pelos cristãos muitas vezes é pobre em relações de amizade profundas e verdadeiras. É por isso que poderíamos sugerir que a igreja tem sido influenciada pelo discurso pós-moderno, preso às emoções e individualista. O importante é só o que o fiel consegue experimentar!
A crítica atual à razão e à instituição, além de promover divisões nas igrejas, as tem deixado sem defesa para as novas tendências teológicas. Por isso, os cristãos de hoje não vêem dificuldades nem empecilhos em assumir conceitos e palavras que fazem parte de outros grupos religiosos, inclusive surgidos em esferas opostas ao cristianismo. Podemos ver esta descaracterização do evangelho naqueles que acreditam em “simpatias”, copos d’água em cima do rádio (ou televisão) e benzedeiras, imitando o catolicismo popular, criando até mesmo uma versão “evangélica” das superstições populares da Idade Média, como vendas de “óleo ungido”, “água do Rio Jordão”, etc. Outros entram em “transe” nas reuniões, e outros viajam quilômetros somente para orar com alguém que, supostamente, tem dons especiais, ou que sua oração é “mais poderosa”. Mesmo os cultos de origem africana, como o candomblé e a macumba, encontram certa semelhança em algumas igrejas evangélicas, onde indivíduos caem e rolam no chão, supostamente possuídos por demônios, tais como os possuídos por “espíritos” nos “cultos afros”. Até o discurso de tais reuniões é usado em meio à obsessão por demônios, pela qual passa a igreja evangélica no Brasil (“maldição hereditária”, “amarrar espíritos”, “tranca-ruas”, etc.). A própria simplicidade bíblica (Fp 4.11; 1Tm 6.8; Hb 13.5) é substituída pela teologia da prosperidade com seu vocabulário sem significado, “eu repreendo”, “eu declaro”, “tá amarrado”.
O mais trágico é que há igrejas ensinando que para uma pessoa ser salva ela precisa cumprir uma elaborada lista de itens, da qual constam: receber o Senhor Jesus como único salvador, participar das “reuniões de libertação” da igreja para se ver livre do diabo, buscar o batismo com o Espírito Santo, andar em santidade, ler a Bíblia diariamente, evitar más companhias, ser batizado, freqüentar as reuniões de membros da igreja, ser fiel nos dízimos e nas ofertas e orar sem cessar e vigiar. Essas igrejas acabam confundindo salvação com santificação. E, pior ainda, mesmo cumprindo toda a lista, no entender destas igrejas, um cristão pode vir a perder a salvação. Mas as Escrituras claramente nos ensinam que homens e mulheres pecadores são salvos somente pela fé, somente em Cristo! Parece que os dirigentes destas igrejas nunca leram as epístolas de Paulo aos Romanos e aos Gálatas!
Estas tendências são extremamente perigosas, porque o cristianismo, que sempre sofreu ameaças de ser seduzido pela cultura de seu tempo (e por vezes sucumbiu a ela), mais uma vez está diante deste desafio. A cultura do prazer, do individualismo, das soluções mágicas de nosso tempo, de um “deus” que pode ser manipulado através de técnicas, tem agora o seu representante “cristão”. A partir desse quadro, podemos facilmente perceber que o resultado será uma espiritualidade sem significado. É interessante notar que as antigas confissões de fé cristãs, seguindo os ensinamentos das Escrituras, afirmavam que a pureza ou não de uma igreja se mede pela fidelidade com o qual o Evangelho é pregado (o que inclui as doutrinas centrais do cristianismo) e as ordenanças celebradas (o que aponta para a teologia prática das igrejas), e não pela quantidade de membros que elas conseguirem!

2. Aprendendo da História: uma direção para a Igreja

(1) Se desejamos ser uma igreja fiel, precisamos redescobrir as doutrinas centrais da fé cristã – e isto não é pouca coisa! Precisamos estudar todas as doutrinas bíblicas, buscando saber quais são aquelas que são vitais para nossa salvação, e quais são as que podemos ter opiniões diferentes. Então, a partir deste ponto, devemos pregar e ensinar doutrinariamente, enfatizando a centralidade das Escrituras, a doutrina da trindade, que nos ensina que Deus é o Pai, o Filho e o Espírito Santo, o ofício e a obra de Cristo, verdadeiro Deus, verdadeiro homem, o pecado e a culpa, expiação, regeneração, a fé e o arrependimento, a justificação, a santificação como obra do Espírito, julgamento, céu e inferno, e, em tudo isto, denunciando o cristianismo hipócrita e nominal. Tragicamente temos sido afastados “da simplicidade e da pureza que há em Cristo Jesus” (1Co 11.4). Nossa atenção também precisa ser chamada para o fato de que a verdadeira doutrina é que produz a unidade na Igreja (Ef 4.1-16).
(2) Agora, uma palavra especial para aqueles que têm servido à igreja na pregação e no ensino. Não basta apenas uma recuperação teológica, pois se nossa teologia não serve para ser pregada, então ela é uma má teologia. Precisamos recuperar uma pregação bíblica e doutrinária. Precisamos de pregadores expositivos, que busquem pregar toda a Palavra de Deus, e saibam que só o Espírito Santo, ligado à Palavra, pode salvar pecadores. O que é a pregação expositiva? Talvez, melhor do que definir, seja ilustrar. Martinho Lutero (1483-1546) pregava da seguinte forma para sua congregação: no domingo, às 5h: Epístolas Paulinas; às 9h: os Evangelhos; à tarde: o catecismo; segundas e terças: o catecismo; quarta: Evangelho de Mateus; quinta e sexta: Epístolas Gerais; sábado: Evangelho de João. Em nosso tempo, D. M. Lloyd-Jones (1899-1981) pregou dez anos na Epístola aos Romanos, e seis anos na Epístola aos Efésios – e sua igreja ficava lotada! Lutero, Lloyd-Jones e outros que têm seguido este método de pregação, têm buscado enfatizar “todo o conselho de Deus” (At 20.27), ensinando toda a Bíblia para o povo.
No tempo da Reforma, a promoção deste tipo de pregação era um claro ataque contra os métodos de ensino católicos. Estes usavam a dramatização, que era chamada de “dramatização dos mistérios”, quando atores profissionais eram pagos para, junto ao altar, representar diante do povo, que eles consideravam incultos e incapazes, as verdades das Escrituras – que muitas vezes eram romanceadas! Mas, segundo uma antiga confissão de fé, “a pregação da Palavra de Deus é a Palavra de Deus”! Então, por causa de seu alto conceito das Escrituras (1Tm 3.16; 2Pe 1.19-21), por entender que a exposição da Palavra é o meio de salvação (Rm 10.13-17; 1Pe 1.23), e que o homem, por ter a imagem de Deusé um ser com capacidades racionais, nossos pais espirituais rejeitaram estes acréscimos. O único “sacramento” que eles aceitaram era a pregação da Palavra. Além disto, a pregação bíblica não pode ficar de fora dos cultos, pois é parte integrante da adoração. Precisamos voltar a ensinar toda a Palavra, não apenas aquilo que gostamos mais, ou que nos é mais familiar, mas toda a Palavra de Deus. Quando o fiel ensino e a pregação da Palavra são negligenciados, sempre surgirão superstições e crendices dentro da própria igreja evangélica. Esta ênfase se torna mais urgente quando vemos que, em recente pesquisa, a Sociedade Bíblica Ibero-americana divulgou que 51% dos pastores evangélicos no Brasil nunca leram a Bíblia inteira! A ênfase que Jesus dá a crermos nele “como diz a Escritura” nos ensina que a doutrina correta tem poder para produzir vida (Jo 7.37-39)!
(3) Precisamos redescobrir uma nova forma de ser igreja. O Novo Testamento oferece limites para sermos igreja, mas dentro destes limites há muita liberdade para adaptações às mudanças que aparecem nos diferentes lugares e épocas. Partindo deste ponto, precisamos reafirmar de forma criativa a vida em comunidade. Para isto devem ser encorajados meios para incluir os vários dons espirituais dos cristãos no ministério de nossas igrejas, lembrando que cada crente é importante e tem um ministério necessário no Corpo de Cristo (Rm 12.4-8; 1Co 12.8-11, 28-30; Ef 4.11-16; 1Pe 4.8-11). Ao mesmo tempo, todos os membros deveriam estar conscientes de suas responsabilidades de mútua submissão e auto-doação na igreja em que participam (Ef 5.18-21). A igreja, enquanto estabelecida por verdades bíblicas, existe para nutrir relações de cuidado entre seus membros (1Co 13.1-13). Para imitar a igreja do Novo Testamento, a igreja local tem que cultivar amizades profundas. Cultos nos lares, núcleos de estudos bíblicos, retiros e outras formas de comunhão contribuem para reunir em amor o povo de Deus, exaltando a alegria e o amor da Trindade, antecipando a comunhão abençoada do céu.
O preço do discipulado e a disciplina precisam novamente ser enfatizados na igreja, pois o que tem prevalecido em nosso meio é conhecido como “graça barata”. Não podemos nos deixar de espantar com o ataque de Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) contra esta perversão da livre graça de Deus: “Graça barata significa a graça vendida no mercado como quinquilharia ordinária… Graça barata não é o tipo de perdão que nos liberta dos laços do pecado. Graça barata é a graça que concedemos a nós mesmos. Graça barata é a pregação do perdão sem a exigência do arrependimento, batismo sem disciplina na igreja, comunhão sem confissão, absolvição sem confissão pessoal. Graça barata é a graça sem discipulado, graça sem a cruz, graça sem Jesus Cristo vivo e encarnado”.
Precisamos também recuperar o rico conceito bíblico de sacerdócio de todos os crentes (1Pe 2.5,9; Ap 1.6; 5.10; 20.6). Segundo Lutero, todo cristão é sacerdote de alguém, e somos todos sacerdotes uns dos outros. Este sacerdócio deriva diretamente de Cristo, pois “somos sacerdotes como Ele é sacerdote”. É uma responsabilidade tanto quanto um privilégio: “O fato de que somos todos sacerdotes significa que cada um de nós, cristãos, pode ir perante Deus e interceder pelo outro. Se eu notar que você não tem fé ou tem uma fé fraca, posso pedir a Deus que lhe dê uma fé sólida.” Não podemos ser cristãos sozinhos, precisamos da “comunhão dos santos”: uma comunidade de intercessores, um sacerdócio de amigos que se ajudam, uma família em que as cargas são compartilhadas e suportadas mutuamente. Nem todos podem ser pastores, mestres ou conselheiros. Há um só “estado” (todos os cristãos são sacerdotes), mas uma variedade de funções (cada cristão tem um chamado específico da parte de Deus, para glorificá-Lo no mundo). Em todas estas coisas, somos ensinados que Deus, em Cristo, por meio do Espírito, nos chama como indivíduos para vivermos em comunidade, pois não existe uma fé solitária segundo o Novo Testamento (Hb 10.19-25).

Conclusão

Num tempo de mudanças tão profundas e complicadas, temos diante de nós uma grande tarefa – a de, na dependência do Espírito, orar, pregar e ensinar, de tal forma que a Igreja de Cristo passe da infantilidade para a maturidade (Ef 4.11-16). Uma petição do Livro de Oração Comum expôs toda nossa responsabilidade e toda a nossa esperança na tarefa de proclamarmos com força renovada a fé evangélica: “Todo-poderoso e eterno Deus, que pelo Espírito Santo preside no concílio dos apóstolos, livra-nos do erro, da ignorância, do orgulho e do preconceito; e confiados em tua misericórdia, te imploramos, dirige, santifica e governa sobre nosso trabalho, pelo grande poder do Espírito Santo, a fim de que o confortante evangelho de Cristo seja verdadeiramente pregado, verdadeiramente recebido e verdadeiramente seguido em todos os lugares, para a derrota do reino do pecado de Satanás e da morte; até que ao fim todas as tuas ovelhas dispersas, juntadas no teu aprisco, se tornem participantes da vida eterna; pelos méritos e morte de Jesus Cristo, nosso Salvador. Amém”.


IGREJA VERSUS O MUNDO--JOHN MacARTHUR

"Irmãos, não vos maravilheis se o mundo vos odeia". (1Jo 3.13)

Por que os evangélicos tentam tão deses­peradamente cortejar o favor do mundo? As igrejas planejam seus cultos de adoração para servir aos "sem-igreja". Os produtores cristãos imitam a coqueluche mundana do momento em termos de música e entretenimento. Os pregadores se sentem aterrorizados de que a ofensa do evangelho possa fazer alguém se voltar contra eles; então deliberadamente omitem partes da mensagem que o mundo pode não se agradar.
O movimento evangélico parece ter sido sabotado por legiões de falsos especialistas mundanos que estão empenhados em tentar fazer o melhor que podem para convencer o mundo de que a igreja pode ser tão inclusiva, pluralista e de mente aberta quanto a mais politicamente correta pessoa mundana.
A busca pela aprovação do mundo é nada mais, nada menos que adultério espiritual. Na verdade, isto é precisamente a imagem que o apóstolo Tiago usou para descrevê-la. Ele escreveu, "Infiéis [NKN: "adúlteros e adúlteras"], não compreendeis que a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus" (Tg 4.4).
Existe e sempre existiu uma incompati­bilidade fundamental, irreconciliável entre a igreja e o mundo. O pensamento cristão é totalmente desarmônico com todas as filosofias da História. A fé genuína em Cristo implica numa negação de todo valor mundano. A verdade bíblica contradiz todas as religiões do mundo.
O próprio Cristianismo é, portanto, virtualmente contrário a tudo o que este mundo admira. Jesus disse a seus discípulos, "Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim. Se vós fosseis do mundo, o mun­do amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhei, por isso, o mundo vos odeia" (Jo 15.18,19). Observe que o nosso Senhor considerou como certo que o mundo desprezaria a igreja. Longe de ensinar a seus discípulos a que tenta sem ganhar o favor do mundo, reinventando o evangelho para se adequar às suas preferências, Jesus expressamente advertiu que a busca pelas aclamações mundanas é uma característica dos falsos profetas: "Ai de vós, quando todos vos louvarem' Porque assim procederam seus pais com os falsos profetas" (Lc 626).
Ele foi mais longe, "Não pode o mundo odiar-vos, mas a mim me odeia, porque eu dou testemunho a seu respeito de que as suas obras são más" (Jo 7.7). Em outras palavras, o desprezo do mundo pelo Cristianismo deriva de motivos morais, não intelectuais: "O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras eram más. Pois todo aquele que pratica o mal aborrece a luz e não se chega para a luz, a fim de não serem argüidas as suas obras" (Jo 3.19,20). É por esta razão que, não importa quão dramaticamente a opinião do mundo possa vir a variar, a verdade cristã não será jamais popular ao mundo.
Contudo, virtualmente em toda época da história da igreja, tem havido gente na igreja que está convencida de que a melhor maneira de ganhar o mundo é satisfazer os seus gostos. Tal tipo de abordagem tem sempre sido em de­trimento da mensagem do evangelho. As únicas vezes que igreja causou impacto significativo sobre o mundo foi quando o povo de Deus permaneceu firme, se recusou a compactuar e ousadamente proclamou a verdade apesar da hostilidade do mundo. Quando os cristãos se des­viam da tarefa de confrontar os enganos do mundo com as impopulares verdades bíblicas, a igreja invariavelmente perde sua influência e impotente se mescla ao mundo. Tanto as Escrituras quanto a História atestam esse fato.
E a mensagem cristã simplesmente não pode ser torcida para se conformar com a instabilidade da opinião do mundo. A verdade bíblica é fixa e constante, não sujeita a mudança ou adaptação. A opinião do mundo, por outro lado, está sempre em fluxo constante. Os vários modismos e filosofias mudam radicalmente e regularmente de geração para geração. A única coisa que permanece constante no mundo é seu ódio por Cristo e seu evangelho.
Ao que tudo indica, o mundo não abraçará por muito tempo qualquer das ideologias que estão atualmente em voga. Se a História servir como indicador, quando nossos netos se tomarem adultos a opinião do mundo terá sido dominada por um sistema completamente novo de crenças e um conjunto de valores totalmente diferente. A geração de amanhã renunciará a todas os modismos e filosofias de hoje, mas urna coisa permanecerá imutável: até que o Senhor mesmo volte, seja qual for a ideologia que ganhe popularidade no mundo, ela será tão hostil às verdades bíblicas corno o foram todas as precedentes.
 

Modernismo

Pense no que aconteceu no século passado, por exemplo. Cem anos atrás a igreja estava ameaçada pelo modernismo. Modernismo era urna cosmovisão baseada na noção de que somente a ciência podia explicar a realidade. O modernista, com efeito, começou com a pressu­posição de que nada sobrenatural é real.
Deveria ter ficado instantaneamente óbvio que o modernismo e o Cristianismo eram incom­patíveis no nível mais básico. Se nada sobrena­tural era real, então grande parte da Bíblia seria falsa e sem autoridade; a encarnação de Cristo seria um mito (anulando a autoridade de Cristo também); e todos os elementos sobrenaturais do Cristianismo, incluindo o próprio Deus, teriam de ser totalmente redefinidos em termos naturalistas. O modernismo foi anticristão até à sua medula.
Não obstante, a igreja visível no começo do século 20 ficou cheia de gente que estava con­vencida de que modernismo e Cristianismo podiam e deviam ser conciliados. Eles insistiam que se a igreja não acompanhasse o passo com dos tempos, abraçando o modernismo, o Cristianismo não sobreviveria ao século 20. A igreja se tornaria paulatinamente irrelevante para o povo mo­derno, eles diziam, e logo desapareceria. Assim sendo, eles inventaram um "evangelho social" desprovido do verdadeiro evangelho da salvação.
Naturalmente, o Cristianismo bíblico sobreviveu o século 20 muito bem, obrigado. Nos lugares onde os cristãos permaneceram comprometidos com a verdade e autoridade das Escrituras, a igreja floresceu, mas, ironicamente, aquelas igrejas e denominações que abraçaram o modernismo foram as que se tornaram pouco a pouco irrelevantes e desapareceram antes do fim do século. Muitos edifícios de pedra, grandiosos, mas quase vazios, dão testemunho da fatalidade da conformação com o modernismo.

Pós-Modernismo

O modernismo é agora considerado como um modo de pensar do passado. A cosmovisão dominante tanto no círculo secular quanto no acadêmico atualmente é chamada de pós-moder­nismo. Os pós-modernistas têm repudiado a confiança absoluta dos modernistas na ciência como único caminho para a verdade. Na realidade os pós-modernistas perderam completamente o interesse pela "verdade", insistindo que não existe tal coisa como verdade absoluta ou universal.
O modernismo era de fato asneira e preci­sava ser abandonado, mas o pós-modernismo é um passo trágico na direção errada. Ao contrário do modernismo, que estava ainda preocupado com a possibilidade de convicções básicas, crenças e ideologias serem objetivamente verdadeiras ou falsas, o pós-modernismo simplesmente nega que qualquer verdade possa ser objetivamente conhecida.
Para o pós-modernista a realidade é o que o indivíduo imagina que seja. Isso significa que o que é "verdadeiro" é determinado subjetivamente por cada um, e não existe tal coisa como a chamada verdade objetiva, com autoridade que governa ou se aplica universalmente a toda humanidade. O pós-modernista acredita naturalmente que não faz sentido debater se a opinião A é superior à opinião B. No final de contas, se a realidade é meramente uma invenção da mente humana a perspectiva de verdade de uma pessoa é afinal tão boa quanto a de outra.
Tendo desistido de conhecer a verdade objetiva, o pós-modernista se ocupa em lugar disso, com a busca para "entender" o ponto de vista da outra pessoa. Então as palavras "verdade" e "compreensão" tomam significados radicalmente novos. Ironicamente, "compreensão" requer que primeiro de tudo desacreditemos na possibilidade de conhecer qualquer verdade afinal. E "verdade" se torna nada mais do que uma opinião pessoal, geralmente melhor guardada para si mesmo.
Essa é uma exigência essencial, não negociável que o pós-modernismo faz a todo mundo: nós não devemos pensar que conhecemos qualquer verdade objetiva. Os pós-modernistas freqüentemente sugerem que toda opinião deveria receber igual respeito. E, portanto, numa visão superficial, o pós-modernismo parece movido por uma preocupação pela mente aberta para se chegar à harmonia e tolerância. Tudo soa muito caridoso e altruísta, mas o que realmente sublinha o sistema de crenças pós-modernistas é uma intolerância total por toda cosmovisão que faça alegações de qualquer verdade universal ­particularmente o Cristianismo bíblico.
Em outras palavras, o pós-modernismo começa com uma pressuposição que é irreconciliável com a verdade objetiva, divinamente revelada nas Escrituras. Da mesma forma que o modernismo, o pós-modernismo é fundamental e diametralmente oposto ao evangelho de Jesus Cristo.

Pós-Modernismo e a Igreja

Não obstante, a igreja atualmente está cheia de gente que advoga idéias pós-modernistas. Alguns deles fazem isso consciente e deliberadamente, mas a maioria o faz sem querer (Tendo embebido demasiado do espírito dos tempos, eles estão simplesmente regurgitando opiniões do mundo). O movimento evangélico como um todo, ainda se recuperando de sua longa batalha contra o modernismo, não está preparado para um adversário novo e diferente. Muitos cristãos, portanto, não reconheceram ainda o perigo extremo colocado pelo pensamento pós-modernista.
A influência pós-modernista claramente já infecta a igreja. Os evangélicos estão baixando o tom da sua mensagem para que as rígidas alegações de verdades do evangelho não soem tão desagradáveis aos ouvidos pós-modernos. Muitos evitam fazer afirmações inequívocas de que a Bíblia é verdadeira e todos os outros sistemas religiosos do mundo são falsos. Alguns que se intitulam cristãos foram ainda mais longe, determinadamente negando a exclusividade de Cristo e abertamente questionando sua alegação de ser ele o único caminho para Deus.
A mensagem bíblica é clara. Jesus disse, "Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim" (Jo 14.6). O apóstolo Pedro proclamou a uma audiência hostil, " ... não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos" (At 4.12). O apóstolo João escreveu, " . quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus" (Jo 3.36). Repetidas vezes as Escrituras enfatizam que Jesus Cristo é a única esperança de salvação para o mundo. " ... há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem" (1Tm 2.5). Somente Cristo pode expiar pecados e, portanto, somente Cristo pode dar salvação. " ... o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está no seu Filho. “Aquele que tem o Filho tem a vida; aquele que não tem o Filho de Deus não tem a vida" (1Jo 5.11,12).
Essas verdades são contrárias à doutrina central do pós-modernismo. Elas fazem alegações de verdade exclusivas, universais, declarando ser Cristo o único caminho para o céu e errôneos todos os outros sistemas de crença. Isto é o que as Escrituras ensinam. É o que a igreja verdadeira tem proclamado ao longo de toda sua história. É a mensagem do Cristianismo. E simplesmente não pode ser ajustado para acomodar as sensibilidades pós-modernas. Em vez disso, muitos cristãos simplesmente vão passando por cima das alega­ções exclusivas de Cristo, debaixo de um silêncio constrangedor. Pior ainda, alguns na igreja — incluindo alguns dos mais conhecidos lideres evan­gélicos — começaram a sugerir que talvez o povo possa ser salvo fora do conhecimento de Cristo.
Os cristãos não podem capitular ao pós ­modernismo sem sacrificar a essência da nossa fé. A alegação da Bíblia de que Cristo é o único caminho da salvação está certamente em desarmonia com a noção pós-moderna de "tolerância", mas é, no final de contas, exatamente o que a Bíblia claramente ensina. E a Bíblia, não a opinião pós-moderna, é a autoridade suprema para o cristão. Somente a Bíblia deve determinar o que nós cremos e proclamar isso ao mundo. Nós não podemos abrir mão disso, não importa quanto o mundo pós-modernista reclame que nossas crenças fazem de nós pessoas "intolerantes".

Tolerância Intolerante

A veneração da tolerância pelo pós-modernista é uma característica óbvia, mas essa versão da "tolerância" é, na verdade, uma dis­torção perigosa da verdadeira virtude. Aliás, tole­rância nunca é mencionada na Bíblia como uma virtude, exceto no sentido de paciência, longanimidade e mansidão (ver Ef 4.2). De fato, a noção contemporânea de tolerância é um conceito pateticamente fraco comparado ao amor que as Escrituras ordenam aos cristãos que mostrem aos seus inimigos. Jesus disse, "amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam; bendizei aos que vos maldizem, orai pelos que vos caluniam" (Lc 6.27,28; confira os versículos 29-36).
Quando nossos avós falaram de tolerância como uma virtude, eles tinham isso em mente. A palavra então significava respeitar as pessoas e tratá-las com bondade mesmo quando acreditamos que elas estão erradas, mas a noção pós moderna de tolerância significa que nós nunca devemos considerar a opinião de ninguém como errada. A tolerância bíblica é para as pessoas; a tolerância pós-moderna é para idéias.
Aceitar toda crença como igualmente válida dificilmente é uma virtude real, mas é praticamente o único tipo de virtude que o pós-mo­dernismo conhece. As virtudes tradicionais (incluindo humildade, domínio próprio e castidade) são abertamente zombadas e até mesmo consideradas como transgressões, no mundo do pós-modernismo.
Previsivelmente a beatificação da tolerância pós-moderna tem tido seus efeitos desastrosos sobre a verdadeira virtude em nossa sociedade. Nestes tempos de tolerância, o que era proibido passou a ser encorajado. O que era tido como imoral é agora festejado. Infidelidade marital e divórcio foram normalizados. Impureza é o lugar comum. Aborto, homossexualidade e perversões morais de todos os tipos são aclamados por grandes grupos e entusiasticamente promovidos pela mídia popular. A noção pós-moderna de tolerância está sistematicamente virando virtude genuína na cabeça deles.
Praticamente a única coisa a ser rejeitada pela sociedade como maligna é a noção simplória e politicamente incorreta que o estilo de vida, religião, ou perspectiva diferente de outra pessoa é incorreto. Uma exceção notável àquela regra se destaca claramente: os pós-modernistas aceitam a intolerância se for contra aqueles que alegam conhecer a verdade, particularmente os cristãos bíblicos. De fato, aqueles que se proclamam os advogados líderes de tolerância atualmente são freqüentemente os oponentes mais declarados do Cristianismo evangélico.
Basta dar uma olhada na Internet, por exemplo, e veja o que está sendo dito pelos autoestilizados campeões de tolerância religiosa. O que você vai encontrar é uma grande quantidade de intolerância pelo Cristianismo bíblico. Na verdade, alguns dos materiais mais amargos anticristãos na Internet podem ser encontrados em sites supostamente promovendo a tolerância religiosa!
Por que isso? Por que o Cristianismo bíblico autêntico depara com tal feroz oposição de pessoas que pensam ser modelos de tolerância? É porque as alegações de verdade das Escrituras e particularmente as alegações de Jesus de ser o único caminho para Deus — são diametralmente opostos às pressuposições fundamentais da mente pós-moderna. A mensagem cristã representa um golpe fatal à cosmovisão pós-modernista.
Mas se os cristãos se deixam enganar ou são intimidados a suavizar as alegações diretas de Cristo e a alargar o caminho estreito, a igreja não fará qualquer progresso contra o pós-modernismo. Nós precisamos recuperar a distinção do evangelho. Precisamos reconquistar nossa confiança no poder da verdade de Deus. E nós precisamos proclamar com ousadia que Cristo é a única verdadeira esperança para o povo deste mundo.
Isso pode não ser o que o povo quer ouvir neste tempo pseudo-tolerante do pós-modernismo, mas é verdade assim mesmo. E precisamente porque é verdade e o evangelho de Cristo é a única esperança para um mundo perdido é que é ainda mais urgente levantarmos acima de todas as vozes de confusão no mundo e dizer desta forma.
O restante deste livro irá examinar seis conceitos chaves que explicam a distinção do Cristianismo. São princípios que totalmente con­tradizem a sabedoria convencional do pós-modernismo, mas eles são componentes essenciais de uma cosmovisão bíblica. Esses seis princípios, definidos por seis palavras-chave, se elevam uns sobre os outros e se interligam de tal modo que permanecem em pé ou caem juntos. Eles nos dão a estrutura necessária para o pensamento, para entendermos o mundo à nossa volta e para ministrarmos neste tempo pós-moderno.

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Fonte: Princípios para uma Cosmovisão Bíblica, John MacArthur Jr., Capítulo 1, Ed. Cultura Cristã.

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CRISTIANISMO E ATEÍSMO- AUGUSTO NICODEMUS LOPES

O que é o ateísmo? A palavra “ateu” vem do grego “a” (sem) e “theos” (deus). É a negação teórica ou prática da existência  de uma divindade. O sentido do termo tem variado consideravelmente na história. Até mesmo os cristãos primitivos foram considerados ateus, por não crerem nos deuses greco-romanos.

Na cultura ocidental moderna onde vivemos, predomina o monoteísmo cristão (a crença na existência  de um único Deus). Portanto, ateu é quem nega a existência de uma divindade transcendente, perfeita, criador pessoal do universo, como afirmam os cristãos (e também, judeus e muçulmanos). 


No mundo moderno, existem diversas formas de ateísmo que de maneiras variadas negam a existência de Deus: 


Ateísmo filosófico. Pessoas de muita influência na história da humanidade têm atacado diretamente o conceito de religião em geral e do cristianismo em particular, como Marx, Freud, Feuerbach, Nietzche, Sartre. De formas diferentes, afirmam que não se pode provar racionalmente que Deus existe. Não há muitos ateus filosóficos no Brasil (menos de 2% na última pesquisa da VEJA). Entretanto, é bem maior o número daqueles que, sem se declararem ateus, acreditam em alguns dos pontos do ateísmo. 


Panteísmo. Do grego “pan” (tudo) e “theos” (deus). Ensina que tudo é deus e deus é tudo. Nem todo ateu é sem religião. Budistas e taoístas (religiões orientais) não acreditam num deus pessoal, mas numa força cósmica que penetra e une todas as coisas. 


Politeísmo. Do grego “poli” (muitos) e “theos” (deus). Crê na existência de muitos deuses. Rejeita o conceito de um único deus pessoal, perfeito e criador do universo. 


Deísmo. Acredita num deus pessoal, perfeito e criador do universo, mas nega que ele se envolva na vida diária das pessoas e na história do mundo. 


Ateísmo prático. Muitos professam crer num deus, mas vivem como se ele não existisse ou fizesse diferença. 


A Bíblia tem muito a dizer sobre o ateísmo: (1) É uma tolice que tem raiz no coração depravado do homem, Sl 14.1; 53.1; (2) É um esforço do homem em negar o que sua consciência diz, Rm 1.18-23; (3) Até os animais saberiam dizer que Deus existe, Jó 12.7-10.


Existem duas grandes dificuldades com o ateísmo em geral: 


É contrário à razão e à experiência humana. A história tem provado vez após vez que é impossível suprimir o desejo pelo divino que existe no coração da humanidade (de qualquer época, em qualquer lugar). O ateísmo não consegue dar descanso à mente e ao coração humano. Após um período onde o ateísmo pareceu triunfar (racionalismo) a humanidade retorna outra vez ao misticismo. A mesma história testifica que existem profundos instintos religiosos dentro do peito humano. Negar isso não é cientifico. De onde vêm esses instintos? “Seria irracional admitir a existência desses desejos e tendências e ainda assim acreditar que eles não correspondem a nada que exista fora do homem, ou que essa tendência não tenha qualquer alvo” (Reville). 


Não explica a existência do homem e do universo em geral. Não se pode negar a existência do homem e do universo. Mas, de onde vieram? O ateísmo não tem respostas adequadas a essas perguntas. O evolucionismo materialista já está sendo descartado, como descartados foram antes dele outras teorias para explicar o surgimento do universo, pois não explica a evidência clara de que existe propósito, ordem e harmonia no universo. 


Diante da possibilidade de encontrar pessoas assim, o cristão deve: (1) Orar sempre, pedindo sabedoria para responder (Tg 1.5); (2) Ter respostas razoáveis aos argumentos dessas pessoas (1 Pd 3.15); (3) Lembrar que somente Deus pode iluminar o entendimento das pessoas (1 Co 2.9-16). 


Finalmente lembremo-nos que o pior tipo de ateísmo é aquele dos cristãos somente de nome, mencionados por Paulo: “No tocante a Deus, professam conhecê-lo; entretanto, o negam por suas obras” (Tito 1:16).


A SOBERANIA DE DEUS REMOVE A VANGLÓRIA-CHARLES HADDON SPURGEON





Pois ele diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão” (Romanos 9.15).

Nessas palavras, o Senhor reivindica, da forma mais clara possível, o direito de outorgar ou reter sua misericórdia, de conformidade com sua própria vontade. Assim como um monarca está investido da prerrogativa de conceder vida ou morte, assim também o Juiz de toda a terra tem o direito de poupar ou condenar o culpado, conforme Lhe parecer melhor.
Os homens, por causa de seus pecados, perderam todo o direito diante de Deus e, portanto, merecem a perdição eterna. E, se todos eles buscarem seus direitos na presença dEle, não encontrarão qualquer fundamento para suas reivindicações. Se o Senhor age para salvar alguém, Ele o faz de modo que os objetivos de sua justiça não sejam distorcidos. No entanto, se Ele acha melhor deixar os condenados sofrerem a justa sentença, ninguém pode chamá-Lo a juízo. Tolos e imprudentes são todos os discursos que se referem aos direitos dos homens serem colocados na mesma condição diante de Deus. Ignorantes, se não forem algo pior, são as contenções contra a graça discriminadora de Deus; tais contenções expressam a rebeldia da natureza humana orgulhosa contra o trono e a autoridade de Jeová.
Quando Deus nos mostra nossa ruína completa, nosso infeliz merecimento e a justiça do veredicto divino contra o pecado, nunca mais contestamos a verdade de que o Senhor não tinha qualquer obrigação de salvar-nos; não murmuramos diante do fato de que Ele resolveu salvar outros, como se estivesse nos causando dano, mas sentimos que, se Ele desejou volver-se para nós, isso foi um ato espontâneo de bondade imerecida da parte dEle, pelo que bendiremos para sempre o seu nome.
Como poderão aqueles que são objeto da divina eleição adorar de forma suficiente a graça de Deus? Eles não têm motivo para se gloriarem, pois a soberania divina exclui com eficácia qualquer motivo. Somente o Senhor deve ser glorificado; a própria noção do mérito humano será lançada na vergonha eterna. Nas Escrituras, não existe uma doutrina que seja mais humilhante ao homem do que a da eleição; uma doutrina que mais promova a gratidão e, conseqüentemente, seja mais santificadora. Os crentes não devem temê-la, e sim regozijarem-se nela, em adoração.
Fonte: Revista Fé Para Hoje, Editora Fiel.

A FIDELIDADE DE DEUS. ARTHUR W. PINK

A infidelidade é um dos pecados mais proeminente nestes maus dias. Com raríssimas exceções, a palavra de um homem não é mais a sua fiança, nos negócios deste mundo. No mundo social, a infidelidade conjugal ocorre por todo lado, sendo que os laços matrimoniais são desfeitos com a mesma facilidade com que uma roupa velha é rejeitada. Na esfera eclesiástica, milhares que se comprometeram solenemente a pregar a verdade, sem nenhum es­crúpulo a negam e a atacam. Nem o autor, como tampouco o leitor, pode arrogar-se completa imunidade deste pecado terrível: de quantas maneiras temos sido infiéis a Cristo, e à luz e aos privilégios que Deus nos confiou. Como é animador então, que indizível benção é erguer os olhos acima desta ruinosa cena e contemplar Aquele que, só Ele, é fiel, fiel em tudo, fiel o tempo todo.
"Saberás, pois, que o Senhor teu Deus é Deus, o Deus fiel..." (Deuteronômio 7:9). Esta qualidade é essencial ao Seu ser; sem ela Ele não seria Deus. Pois, ser Deus infiel seria agir contrariamente à Sua natureza, o que é impossível. "Se formos infiéis, ele permanece fiel: não pode negar-se a si mesmo" (2 Timóteo 2:15). A fidelidade ê uma das gloriosas perfeições do Seu ser, É como se Ele estivesse vestido com esta perfeição; "O Se­nhor, Deus dos Exércitos, quem é forte como tu, Senhor, com a tua fidelidade ao redor de ti?!" (Salmo 89;8). Assim também, quando Deus Se encarnou, foi dito: "E a justiça será o cinto dos seus lombos, e a verdade o cinto dos seus rins" (Isaías 11:5).
Que palavra, a do Salmo 36:5 — "A tua misericórdia, Se­nhor, está nos céus, e a tua fidelidade chega até às mais excelsas nuvens". Muito acima de toda compreensão finita está a imutável fidelidade de Deus. Tudo que há acerca de Deus é grande, vasto, incomparável. Ele nunca esquece, nunca falha, nunca vacila, nun­ca deixa de cumprir a Sua palavra, O Senhor Se mantém estrita­mente apegado a cada declaração de promessa ou profecia, faz valer cada compromisso de aliança ou de ameaça, pois "Deus não é homem, para que minta; nem filho do homem, para que se ar­rependa: porventura diria ele, e não o faria? Ou falaria, e não o confirmaria? (Números 23:19). Daí o crente exclama; "...as suas misericórdias não têm fim, Novas são cada manhã; grande é a tua fidelidade" (Lamentações 3:22-23).
Há nas Escrituras numerosas ilustrações da fidelidade de Deus. Há mais de quatro mil anos Ele disse: "Enquanto a terra durar, sementeira e sega, e frio e calor, e verão e inverno, e dia e noite, não cessarão" (Gênesis 8;22). Cada novo ano dá-nos um novo testemunho de que Deus cumpre esta promessa. Em Gênesis 15 vemos que Jeová declarou a Abraão; "...peregrina será a tua semente em terra que não será tua, e servi-los-ão... E a quarta geração tornara para cá" (versículos 13-16). Os séculos percorreram o seu curso fatigante. Os descendentes de Abraão gemiam entre os fornos de tijolos do Egito. Deus esquecera a Sua promessa? Certamente que não. Leia Êxodo 12:41: "E aconteceu que, passados os quatrocentos e trinta anos, naquele mesmo dia, todos os exércitos do Senhor saíram da terra do Egito". Por meio de Isaías o Senhor declarou: “...eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel" (7:14). De novo séculos se passaram, mas, "vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gaiatas 4:4).
Deus é verdadeiro. Sua Palavra de promessa ê certa. Em todas as Suas relações com o Seu povo, Deus é fiel Pode-se con­fiar nEle, com segurança, Nunca houve alguém que tivesse con­fiado nEle em vão. Vemos esta preciosa verdade expressa em quase toda parte nas Escrituras, pois o Seu povo precisa saber que a fidelidade é uma parte essencial do caráter divino. Esta é a base da nossa confiança nEle, Mas, uma coisa é aceitar a fide­lidade de Deus como uma verdade divina, e outra coisa, muito diferente, é agir com base nisso. Deus "nos tem dado grandíssi­mas e preciosas promessas", mas nós contamos realmente com o seu cumprimento por Deus? Esperamos de fato que Ele vai fazer por nós tudo que disse que fará? Descansamos com implícita se­gurança nestas palavras: “... fiel é o que prometeu" (Hebreus 10:23)?
Há ocasiões na vida de todos em que não é fácil, nem mes­mo para os cristãos, crer que Deus é fiel. Nossa fé é provada dolorosamente, nossos olhos ficam toldados pelas lágrimas, e não conseguimos mais encontrar o rumo dos baluartes do Seu amor. Os nossos ouvidos se distraem com os ruídos do mundo, arruina­dos pelos sussurros ateísticos de Satanás e não conseguimos mais ouvir a doce entonação da voz mansa e delicada do Senhor. So­nhos alimentados foram frustrados, amigos em quem confiávamos falharam conosco, um falso irmão ou irmã em Cristo nos traiu. Vacilamos. Procuramos ser fiéis a Deus, e agora uma trevosa nu­vem O esconde de nós. Achamos difícil, impossível mesmo, à razão carnal harmonizar a Sua sombria providência com as pro­messas da Sua graça, Ah, alma titubeante, companheiro de pere­grinação provado com tanto rigor, procure graça para ouvir Isaías 50:10; "Quem há entre vós que tema a,Jeová, e ouça a voz do seu servo? Quando andar em trevas, e não tiver luz nenhuma, confie no nome do Senhor, e firme-se sobre o seu Deus".
Quando você for tentado a duvidar da fidelidade de Deus, brade: "Para trás de mim, Satanás". Ainda que você não possa harmonizar os misteriosos procedimentos de Deus com as Suas declarações de amor, confie nEIe e aguarde mais luz, Na hora dEIe, certa e boa, Ele fará com que você o veja com clareza, “...o que eu faço não o sabes tu agora, mas tu o saberás de­pois" (João 13:7). A seqüência dos fatos demonstrará que Deus não abandonou nem enganou Seu filho. "Por isso o Senhor espe­rará, para ter misericórdia de vós; e por isso será exalçado, para se compadecer de vós, porque o Senhor é um Deus de eqüidade: bem-aventurados todos os que nele esperam (Isaías 30:18).
"Não julgues o Senhor por tua mente, porém, confia nEIe por Sua graça. Por trás de uma severa providência Ele oculta um semblante sorridente. Animai-vos, ó santos temerosos! As nuvens que temíveis vos parecem, ricas são de mercês, e irromperão em bênçãos derramadas sobre vós."
"Os teus testemunhos que ordenaste são retos e muito fiéis" (Salmo 119:138). Deus não nos falou apenas o melhor, mas tam­bém não retirou o pior. Ele descreveu fielmente a ruína efetuada pela Queda. Ele diagnosticou fielmente o terrível estado produ­zido pelo pecado. Fielmente fez conhecido o Seu inveterado ódio ao mal, e que ê preciso que Ele o puna. Advertiu-nos fielmente de que Ele é "fogo consumidor" (Hebreus 12:29). Sua Palavra não contém somente numerosas ilustrações de Sua fidelidade no cumprimento de Suas promessas, mas também registra numerosos exemplos de Sua fidelidade em fazer valer as Suas ameaças. Cada estágio da história de Israel exemplifica esse fato solene. Foi as­sim com indivíduos: Faraó, Core, Acã e uma multidão de outros mais, são outras tantas provas. E será assim com você, meu lei­tor, a menos que você tenha buscado ou busque refúgio em Cristo, as chamas eternas do Lago de Fogo serão a tua porção certa e segura. Deus é fiel.
Deus é fiel na preservação do Seu povo. "Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados para a comunhão de seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor'" (l Coríntios 1:9). No versículo anterior foi feita a promessa de que Deus confirmará o Seu povo até o fim. A con­fiança do apóstolo na absoluta segurança dos crentes estava ba­seada não na força das resoluções deles ou em sua capacidade para perseverar, mas sim na veracidade dAquele que não pode mentir. Visto que Deus prometeu ao Seu Filho um certo povo como Sua herança, livrá-lo do pecado e da condenação e fazê-lo participante da vida eterna na glória, é certo que Ele não permi­tira que nenhum dos pertencentes a esse povo pereça.
Deus é fiel na disciplina ministrada ao Seu povo. Ele não é menos fiel naquilo que retira, do que naquilo que dá. É fiel quando envia tristeza como quando outorga alegria. A fidelidade de Deus é uma verdade que devemos confessar não somente quan­do a tranqüilidade nos bafeja, mas também quando nos afligirmos sob o castigo mais áspero. Tampouco esta confissão deve ser ape­nas de boca, mas também de coração. Quando Deus nos fere com a vara da punição, é a fidelidade que a maneja. Reconhecer isso significa que nos humilhamos diante dEle, confessamos que merecemos totalmente a Sua correção e, em vez de murmurar, damos-Lhe graças por isso. Deus nunca nos aflige sem algum mo­tivo: "Por causa disto, há entre vós muitos fracos e doentes..." (1 Coríntios 11:30), ilustra este princípio. Quando a Sua vara cair sobre nós, digamos com Daniel; "A ti, ó Senhor, pertence a justiça, mas a nós a confusão de rosto..." (9:7).
"Bem sei eu, ó Senhor, que os teus juízos são justos, e que em tua fidelidade me afligiste" (Salmo 119:75). Problemas e afli­ções não são apenas coerentes com o amor de Deus empenhado na aliança eterna, mas são partes da sua administração. Deus é fiel não só quando afasta as aflições, mas também é fiel quando no-las envia. “Então visitarei com vara a sua transgressão, e a sua iniqüidade com açoites, Mas não retirarei totalmente dele a minha benignidade, nem faltarei à minha fidelidade" (Salmo 89:32-33). O castigo não é apenas conciliável com a benignidade amorosa de Deus, mas também é seu efeito e expressão. A mente dos servos de Deus se tranqüilizaria muito se eles se lembrassem de que a aliança de Deus O obriga a aplicar-lhes correção oportuna. As aflições são-nos necessárias: "...estando eles angustiados, de madrugada me buscarão" (Oséias 5:15).
Deus é fiel na glorificação do Seu povo, "Fiel é o que vos chama, o qual também o fará" (1 Tessalonicenses 5:24). A refe­rência imediata aqui é aos santos serem "preservados inculpáveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo". Deus nos trata, não com base em nossos méritos (pois não temos nenhum), mas por amor do Seu grande nome. Deus é constante para consigo mesmo e segundo o propósito da Sua graça, "... aos que chamou... a estes também glorificou" (Romanos 8:30). Deus dá plena demons­tração da constância de Sua bondade eterna para com os Seus eleitos, chamando-os eficazmente das trevas para a Sua maravilho­sa luz, e isto deveria torná-los seguros da certeza da sua conti­nuidade. "... o fundamento de Deus fica firme..." (2 Timóteo 2; 19). Paulo estava firmado na fidelidade de Deus quando disse: “... eu sei em quem tenho crido, e estou certo de que é pode­roso para guardar o meu depósito até àquele dia" (2 Timóteo 1:12).
A percepção desta bendita verdade nos protegera da preo­cupação. Estar cheio de preocupações, ver a nossa situação com prenúncios sombrios, antecipar o amanhã com ansiedade, é ofen­der a fidelidade de Deus. Aquele que vem cuidando do Seu filho através dos anos, não o abandonará quando o filho envelhecer. Aquele que ouviu as orações que você fez no passado, não se negará a suprir suas necessidades na presente emergência. Descanse em Jó 5:19: “Em seis angústias te livrará; e na sétima o mal te não tocará".
A percepção desta bendita verdade calará as nossas murmurações. O Senhor sabe o que é melhor para cada um de nós, e um efeito da confiança nesta verdade será o silenciar das nossas petulantes reclamações. Deus é grandemente honrado quando, sob provação e castigo, temos bons pensamentos sobre Ele, vindicamos a Sua sabedoria e justiça, e reconhecemos o Seu amor mes­mo em Suas repreensões.
A percepção desta bendita verdade gera crescente confiança em Deus. "Portanto também os que padecem segundo a vontade de Deus encomendem-lhe as suas almas como ao fiel Criador, fazendo o bem” (1 Pedro 4:19). Quando confiantemente nos re­signarmos e deixarmos todos os nossos interesses nas mãos de Deus, plenamente persuadidos do Seu amor e fidelidade, tanto mais depressa ficaremos satisfeitos com as Suas providências e compreenderemos que "ele tudo faz bem”.

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Fonte:
Os Atributos de Deus, Arthur W. Pink, Ed. PES.

A Doutrina do Pecado e Culpa Original-Rev.Herman Hoekesema

Essa doutrina da universalidade do pecado por meio de Adão levanta outras questões muito sérias. Pode parecer como se os descendentes do homem Adão fossem as vítimas inocentes de sua transgressão. Ele pecou, e todos eles sofrem e vêm ao mundo com uma natureza corrompida e sem os preciosos dons de conhecimento, justiça e santidade com os quais a natureza humana foi originalmente dotada. Não é isso uma injustiça? Devem os filhos sofrer pelos pecados de seus pais? Não se deve ter piedade dos homens por seu estado deplorável, ao invés de serem condenados por causa de sua impiedade?
Ainda mais, como pode o homem ser considerado responsável por seus pecados e transgressões atuais, se ele nasce com uma natureza que é incapaz de guardar a lei de Deus e que é inclinada a toda impiedade? Eu nasço com uma natureza corrompida, morto em delitos e pecados, e isso certamente não posso reverter. Eu nunca tive uma oportunidade de fazer o bem. Por conseguinte, concluo que não sou responsável pelos meus crimes; não posso ser considerado responsável pela forma como nasci. Eu sou uma vítima de circunstâncias pelas quais mereço receber piedade, ao invés de ser um objeto de ira e condenação. Deus não pode demandar de mim o que não posso e nunca serei capaz de realizar.
Em resposta, devemos lembrar que Deus criou a raça humana não somente como um organismo, com Adão como a raiz e o primeiro pai, mas também como uma corporação legal com Adão como o cabeça representativo. Mesmo de um ponto de vista legal, a raça humana não é um mero agregado de indivíduos no qual cada um permanece de pé e cai como seu próprio mestre, sem ser de forma alguma responsável pelo todo. Pelo contrário, existe responsabilidade comunal, e existe culpa e sofrimento comunal na vida humana. Isso é evidente na vida toda: o individualismo é condenado em todo lugar.
Isso é claramente ilustrado na vida de uma nação em relação ao seu governo. No instante concreto em que os Estados Unidos vai à guerra contra uma nação estrangeira, certamente não é todo cidadão americano que declara guerra contra essa nação. Sem dúvida, por esse ato de declaração oficial de guerra, o governo é responsável diante de Deus. Ao governo é confiada a espada. Ele é o único poder ordenado por Deus que tem a autoridade de manusear a espada, bem como de declarar e travar uma guerra. O soldado que é chamado pelo governo e vai para a batalha não comete assassinato e não é culpado do sangue derramado se mata o inimigo no campo de batalha. Ele meramente manuseia a espada do governo e faz assim em nome do governo. Contudo, isso significa que não existe responsabilidade e sofrimento comunal? Que cidadão em são juízo diria que quando o governo declara guerra, o próprio governo teria lutado melhor suas próprias batalhas? Quando o governo declara guerra, todos os seus cidadãos estão num estado de guerra, e terão que sofrer todas as conseqüências implicadas. Mesmo diante de Deus, uma nação não é um agregado de indivíduos, mas um corpo legal; o governo representa todos os seus cidadãos. Se o governo, para suprir as despesas de uma guerra, acumula um débito de muitos bilhões de dólares, todos os seus cidadãos são responsáveis pelo pagamento do débito; mesmo seus filhos e os filhos dos seus filhos terão que suportar o peso dessa responsabilidade.
Assim acontece em todo departamento da vida. É verdade que existe responsabilidade individual e pecado e culpa individual. É também verdade que nesse sentido os filhos não podem ser considerados responsáveis pelos pecados dos pais. É também verdade, contudo, que existe uma responsabilidade e culpa comunal que percorre as gerações. Deus visita "a iniqüidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que [o] aborrecem" (Ex. 20:5). Deus criou toda a raça humana em Adão como uma corporação legal representada por nosso primeiro pai. Portanto, ninguém pode dizer que não é responsável pela transgressão de Adão, pois todos pecaram nele e seu pecado é imputado a todos eles.
Essa é a solução apresentada pela Escritura aos problemas do pecado e da morte e de sua universalidade e relações entre si. Todos os homens nascem no pecado porque toda a natureza humana foi corrompida pelo pecado do homem Adão. Através de um homem o pecado entrou no mundo e a morte pelo pecado (Rm. 5:12); assim, todos os homens nascem mortos no sentido pleno. Eles nascem com o poder da morte física tragando-os para a sepultura e com a corrupção da morte espiritual em seus corações, de forma que estão mortos em delitos e pecados quando entram no mundo (Ef. 2:1). A morte é punição: é a execução da sentença justa do juiz supremo do céu e da terra sobre todos.
Se a morte é punição, e se essa punição é infligida sobre toda a raça humana, sobre cada indivíduo antes dele ser capaz de cometer qualquer pecado real, então a razão deve ser que aos olhos de Deus toda a raça humana é culpada com uma culpa comunal, no homem Adão. É assim que as Escrituras nos instruí em Romanos 5:12-14, onde o texto está tratando com o problema da morte universal:
Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram. Porque até ao regime da lei havia pecado no mundo, mas o pecado não é levado em conta quando não há lei. Entretanto, reinou a morte desde Adão até Moisés, mesmo sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão, o qual prefigurava aquele que havia de vir.
É verdade que o texto também fala da universalidade do pecado por meio do pecado de um homem. Mas isso é assim somente em conexão com o problema sério da universalidade da morte: a morte passou a todos.
A morte reina suprema. Ela reinava antes que houvesse qualquer lei. Ela reinou de Adão a Moisés, e reinou mesmo sobre aqueles que "não pecaram à semelhança da transgressão de Adão" (v. 14). Eles nunca tiveram um mandamento especial para guardar ou violar. Nunca tiveram o poder, como Adão, de determinar se guardariam ou não a lei de Deus. Todavia, a morte reinou sobre eles. Reinou mesmo sobre os pequeninos no berço que não podiam discernir entre a sua mão direita e esquerda.
Como esse reinado universal da morte é explicado? É explicado nas palavras "porque todos pecaram" (v. 12). Quando, onde e como todos pecaram: Todos os homens pecaram no princípio, no primeiro paraíso, e por meio do primeiro Adão, que era o representante da raça diante de Deus: "por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para condenação" (v. 18).
É claro a partir da Escritura que a universalidade do pecado e morte na raça humana deve ser explicada, primeiro, a partir do fato que a raça foi criada no homem Adão como um organismo. Ele carregava nossa natureza, e essa natureza foi corrompida; de uma semente corrompida brota uma descendência corrompida. Segundo, a Escritura ensina que até onde diz respeito a culpa do pecado, sua universalidade é devido ao fato que toda a raça foi criada em Adão como seu cabeça e, portanto, que toda a raça humana é responsável pelo pecado que Adão cometeu no primeiro paraíso.
Fonte: Reformed Dogmatics, Herman Hoeksema, Reformed Free Publishing Association, vol. 1, pp. 392-395.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Estudo sobre a Trindade

 
 
 
 
 
 
A Trindade Como Deus pode ser três pessoas, porém um só Deus?

Podemos definir a doutrina da Trindade do seguinte modo: Deus existe eternamente como três pessoas - Pai, Filho e Espírito Santo - e cada pessoa é plenamente Deus, e existe só um Deus.

A. A DOUTRINA DA TRINDADE REVELA-SE PROGRESSIVAMENE NAS ESCRITURAS.

1. A revelação parcial no Antigo Testamento.

A palavra Trindade não se encontra na Bíblia, embora a idéia representada pela palavra seja ensinada em muitos trechos. Trindade significa "tri-unidade" ou "três-em-unidade". É usada para resumir o ensinamento bíblico de que Deus é três pessoas, porém um só Deus.

Às vezes se pensa que a doutrina da Trindade se encontra somente no Novo Testamento, e não no Antigo. Se Deus existe eternamente como três pessoas, seria surpreendente não encontrar indicações disso no Antigo testamento. Embora a doutrina da Trindade não se ache explicitamente no Antigo Testamento, várias passagens dão a entender ou até implicam que Deus existe como mais de uma pessoa.

Por exemplo, segundo Gn 1.26, Deus disse: "Façamos o homens à nossa imagem, conforme a nossa semelhança". O que significa o verbo ("façamos") e o pronome ("nossa"), ambos na primeira pessoa do plural? Alguns já afirmaram tratar-se de plurais majestáticos, forma de falar que um rei usaria ao dizer, por exemplo: "Temos o prazer de atender-lhe o pedido". Porém, no Antigo Testamento hebraico, não se encontram outros exemplos em que um monarca use verbos no plural ou pronomes plurais para referir-se a si mesmo nessa forma de "plural majestático"; portanto, essa sugestão não tem evidências que a sustentem. Outra sugestão é que Deus esteja aqui falando com anjos. Mas os anjos não participaram da criação do homem, nem foi o homem criado à imagem e semelhança de anjos; por isso a sugestão não é convincente. A melhor explicação é que já nos primeiros capítulos de Gênesis temos uma indicação da pluralidade de pessoas no próprio deus. Não sabemos quantas são as pessoas, e nada temos que se aproxime de uma doutrina completa da Trindade, mas implica-se que há mais de uma pessoa. O mesmo se pode dizer de Gn 3.22 ("Eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal"), Gn 11.7 ("Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem") e Is 6.8 ("A quem enviarei, e quem há de ir por nós?"). (Repare a combinação de singular e plural na mesma oração na última passagem.)

Além disso, em determinadas passagens uma pessoa é chamada "Deus" ou "Senhor" e distinguida de outra pessoa também chamada de Deus. Em Salmo 45.6-7(NIV), diz o salmista: "O teu trono, ó Deus, perdurará para todo o sempre. [...] Tua amas a justiça e odeia a iniqüidade; portanto, Deus, o teu Deus, te estabeleceu acima dos teus companheiros ungindo-te com o óleo da alegria". Aqui o salmo vai além de descrever algo que poderia valer para um rei terreno, e chama o rei de "Deus" (v. 6), cujo trono perdurara "para todo o sempre". Mas então, ainda falando da pessoa chama "Deus", o autor diz que Deus, o teu Deus, te estabeleceu acima dos teus companheiros" (v. 7). Então duas pessoas distintas são denominadas "Deus" (heb. 'Elõhîm). No Novo Testamento, o autor de Hebreus cita essa passagem e a aplica a Cristo: "O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre" (Hb 1.8)

Do mesmo modo, em Salmo 110.1, fala Davi: "DIsse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha mão direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés". Jesus corretamente entende que Davi se refere a duas pessoas distintas como "Senhor" (Mt 22.41-46), mas quem é o "Senhor" de Davi senão o próprio Deus? E quem poderia dizer a Deus "Assenta-te à minha direita", exceto alguém que também seja plenamente Deus? Do ponto de vista do Novo Testamento, podemos parafrasear assim esse versículo: "Deus Pai disse a Deus Filho:"Assenta-te à minha direita". Mas mesmo sem o ensinamento do Novo Testamento sobre a Trindade, parece claro que Davi estava ciente de um pluralidade de pessoas num só Deus. Jesus, é claro, compreendo a isso, mas quando pediu aos fariseus uma explicação dessa passagem, "E ninguém podia responder-lhe uma palavra; nem desde aquele dia ousou mais alguém interrogá-lo."(Mt 22.46). A menos que se disponham a admitir a pluralidade de pessoas num só Deus, os intérpretes judeus das Escrituras, mesmo hoje, não terão explicação mais satisfatória de Salmo 110.1 ( ou Gn 1.26, ou das outras passagens analisadas há pouco) do que aquela que circulava no tempo de Jesus.

Isaías 63.10 diz sobre o povo de Deus que "eles foram rebeldes e contestaram o seu Espírito Santo", dando a entender, aparentemente, tanto que o Espírito Santo é distinto do próprio Deus (é "seu Espírito Santo") quanto que esse Espírito Santo pode-se "contristar", entristecer-se, aventando assim capacidade emocionais características de uma pessoa distinta. (Is 61.1 também distingue "O Espírito do SENHOR Deus" do "SENHOR", ainda que não se atribuam qualidade pessoais ao Espírito Senhor nesse versículo.

Evidências semelhantes encontram-se em Malaquias, em que diz o Senhor: "Eis que eu envio o meu mensageiro, que preparará o caminho diante de mim; e de repente virá ao seu templo o Senhor, a quem vós buscais; e o mensageiro da aliança, a quem vós desejais, eis que ele vem, diz o Senhor dos Exércitos. Mas quem suportará o dia da sua vinda? E quem subsistirá, quando ele aparecer? Porque ele será como o fogo do ourives e como o sabão dos lavandeiros." (Ml 3.1-2). Aqui, novamente, aquele que fala (o SENHOR dos Exércitos") distingue-se do "Senhor, a quem vós buscais", sugerindo duas pessoas separas, que podem ambas ser chamadas "Senhor".

Em Oséias 1.7, o Senhor fala da casa de Judá: E os salvarei pelo Senhor, seu Deus", novamente sugerindo que mais da uma pessoa pode ser chamada "Senhor" (heb. Yahweh) e "Deus" ( 'Elõhîm).

E em Isaías 18.16, aquele que fala (aparentemente o servo do Senhor) diz: "Agora, o Senhor Deus me enviou a mim e o seu Espírito". Aqui o Espírito do Senhor, como o servo do Senhor, foi "enviado" pelo Senhor Deus para uma missão particular. O paralelismo entre os dois objetos de enviar ("mim" e "o seu Espírito") é compatível com a interpretação de que são pessoas distintas: parece significar mais do que meramente "o Senhor enviou a mim e o seu poder". De fato, do ponto de vista do Novo Testamento (que reconhece Jesus, o Messias, como o verdadeiro Servo do Senhor predito nas profecias de Isaías), Isaías 18.16 carrega implicações trinitárias: "Agora, o Senhor Deus me enviou a mim e o seu Espírito", se dito por Jesus, o Filho de deus, menciona as três pessoas da Trindade.

Além do mais, diversas passagens do Antigo testamento sobre o "Anjo do Senhor" subentendem uma pluralidade de pessoas em Deus. A palavra traduzida "anjo" (heb. mal'ak) significa simplesmente "mensageiro". Se esse anjo do Senhor é um "mensageiro" do Senhor, ele pe então distinto do próprio Senhor. Porém, em algumas passagens o anjo do Senhor é chamado "Deus" ou "Senhor" (ver Gn 16.13; Êx 3.2-6; 23.20-22 [repare "nele está o meu nome" no v. 21]; Nm 22.35 com 38; Jz 2.1-2; 6.11 com 14). Em outros trechos no Antigo Testamento "o Anjo do Senhor" simplesmente se refere a um anjo criado, mas pelo menos nesses textos o anjo (ou "mensageiro") especial do Senhor parece ser uma pessoa distinta e plenamente divina.

Um dos textos mais polêmicos do Antigo Testamento que poderia revelar personalidades distintas para mais de uma pessoa está em Provérbios 8.22-31. Embora a parte anterior do capitulo possa ser compreendida como meramente uma personificação da "sabedoria", com vistas a um efeito literário, mostrando a sabedoria a chamar os simples e a convidá-los a aprender, é possível argumentar que os vv. 22-31 dizem coisas sobre a "sabedoria" que parecem ir além da mera personificação. Falando do tempo em que Deus criou a terra, diz a sabedoria: "... então, eu estava com ele e era arquiteto, dia após dia, eu era as suas delícias, folgando perante ele em todo o tempo; regozijando-me no seu mundo habitável e achando as minhas delícias com os filhos dos homens (Pv 8.30-31). Atuar como "arquiteto" junto de Deus na criação indica em si mesmo a idéia de uma pessoas distinta, e as frases seguintes talvez sejam ainda mais convincentes, pois apenas pessoas reais podem "dia após dia [ser] as suas delícias" e também se alegrar no mundo e se deleitar com os filhos dos homens.

Mas se decidimos que "sabedoria" aqui se refere de fato ao Filho de Deus antes de ele se tornar homem, há uma dificuldade. Os versículos de 22-25 parecem falar da criação dessa pessoa chamada "sabedoria":

O Senhor me possuiu no princípio de seus caminhos, desde então, e antes de suas obras.

Desde a eternidade fui ungida, desde o princípio, antes do começo da terra.

Quando ainda não havia abismos, fui gerada, quando ainda não havia fontes carregadas de águas.

Antes que os montes se houvessem assentado, antes dos outeiros, eu fui gerada.

Porventura não indica isso que tal "sabedoria" foi criada?

Na verdade, não. A palavra hebraica que geralmente significa "criar" (bãrã') não é usada no versículo 22; a palavra é qãnãh, que ocorre oitenta e quatro vezes no Antigo Testamento e quase sempre significa "obter, adquirir". A Almeida Revista e Atualizada é mais clara aqui: "O Senhor me possuía no início de sua obra" (Semelhante Á Versão King James; repare esse sentido da palavra em Gn 39.1; Ex 21.2; Pv 4.5, 7; 23.23; Ec 2.7; Is 1.3["possuidor"]. trata-se de um sentido legítimo e, se a sabedoria for compreendida como uma pessoa real, significaria apenas que Deus Pai começou a dirigir e a fazer uso da potente ação criadora de Deus Filho no momento do início da Criação: o Pai convocou o Filho a trabalhar com ele na obra da criação. A palavra "gerado" nos versículos 24 e 25 é um termo diferente, mas poderia carregar significado semelhante: o Pai começa a dirigir e a fazer uso da potente ação criadora do Filho na criação do universo.

2. A revelação mais completa da Trindade no Novo Testamento.

Quando começa o Novo Testamento, entramos na história da vinda do Filho de Deus à terra. Era de esperar que esse grande acontecimento se fizesse acompanhar de ensinamentos mais explícitos sobre a natureza trinitária de Deus, e de fato é isso que encontramos. Antes analisar a questão com pormenores, podemos simplesmente listar várias passagens em que as três pessoas da Trindade são mencionadas juntas.

Quando do batismo de Jesus, " ... e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba e vindo sobre ele. E eis que uma voz dos céus dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo" (Mt 3.16-17). Aqui, ao mesmo tempo, temos os três membros da Trindade realizando três ações distintas. Deus Pai fala de lá do céu; Deus Filho é batizado e depois ouve a voz de Deus Pai vinda do céu, e o Espírito Santo desse do céu para pousar sobre Jesus e dar-lhe poder para o seu ministério.

Ao final do seu ministério terreno, Jesus diz aos discípulos que eles devem ir e fazer "discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo" (Mt 28.19). Os próprios nomes "Pai" e "Filho", baseados na família e mais comum das instituições humanas, indicam com muita força a distinção das pessoas do Pai e do Filho. E se o "Espírito Santo" é inserido na mesma frase e no mesmo nível das outras duas pessoas. difícil é evitar a conclusão de que o Espírito Santo é também, tido como pessoa e de posição igual ao do Pai e do Filho.

Quando nos damos conta de que os autores do Novo Testamento geralmente usam o nome "Deus" (gr. theos) para se referir a Deus Pai e o nome "Senhor" (gr. Kyrios) para se referir a Deus Filho, fica claro que há outro termo trinitário em 1 Coríntios 12.4-6 "Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos."

Igualmente, o último versículo de 2 Coríntios é trinitário na sua expressão: "A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo seja com todos vós. Amém." (2 Co 13.13 ou 14). Verificamos também as três pessoas mencionadas separadamente em Efésios 4. 4-6:"Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; Um só Senhor, uma só fé, um só batismo; Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos vós."

As três pessoas da Trindade são mencionadas juntas na primeira frase de 1 Pedro: "Eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo..." (1 Pe 1.2). E em Judas 20-21, lemos: "Mas vós, amados, edificando-vos a vós mesmos sobre a vossa santíssima fé, orando no Espírito Santo, Conservai-vos a vós mesmos no amor de Deus, esperando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo para a vida eterna."

Todavia, a tradução (dentro de colchetes, significando que o texto em questão não tem apoio dos melhores manuscritos que a ARA dá de 1 Jo 5.7 não deve ser usada com esse fim. Lê-se: "Pois são três os que dão testemunho no céu: O Pai, a Palavra e o Espírito Santo; e esses três são um".

O problema dessa tradução é que ele se baseia num número muito pequeno de manuscritos gregos pouco confiáveis, sendo o mais antigo desses do século XIV d.C.. As melhores versões não incluem esse trecho, mas o omitem, como o faz a grande maioria dos manuscritos gregos de todas as traduções textuais de monta, inclusive vários manuscritos bastante confiáveis dos séculos IV e C d.C., e também citações dos pais da igreja, como Ireneu (m.c. 212 d.C.), Tertuliano (m. depois de 220d.C.) e o grande defensor da Trindade, Atanásio (m. 373 d.C.).

B. TRÊS DECLARAÇÕES QUE RESUMEM O ENSINO BÍLICO

Em certo sentido a doutrina da trindade é um mistério que jamais seremos capazes de entender plenamente. Podemos, todavia, compreender parte de sua verdade resumindo o ensinamento da Escrituras em três declarações:

1.       Deus é três pessoas.

2.       Cada pessoa é plenamente Deus.

3.       Há só um Deus

A seção seguintes desenvolverá mais detalhadamente cada uma dessas declarações.

1. Deus é três pessoas.

O fato de ser Deus três pessoas significa que o Pai não é o Filho; são pessoas distintas. Significa também que o Pai não é o Espírito Santo, mas são pessoas distintas. E significa que o Filho não é o Espírito Santo. Essas distinções se mostram em várias das passagens citadas na seção anterior, bem como em muitas outras passagens do Novo Testamento.

Jo 1.1-2 nos diz: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus.". O fato de o "Verbo" (que se revela Cristo nos v. 9-18) estar "com" Deus prova que ele é distinto de Deus Pai. Em João17.24, Jesus fala a Deus Pai da "minha glória que me conferiste, porque me amaste antes da fundação do mundo", revelando assim distinção de pessoas, compartilhamento de glória e uma relação de amor entre o Pai e o Filho antes que o mundo fosse criado.

Lemos que Jesus continua agindo como nosso Sumo Sacerdote e Advogado perante Deus Pai: "Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis; e, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo." (1 Jo 2.1). Cristo é aquele que "pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles."(Hb 7.25). Porém, a fim de interceder por nós perante Deus Pai, é necessário que Cristo seja um pessoa distinta do Pai.

Além disso, o Pai não é o Espírito, tampouco o Filho é o Espírito Santo. Distinguem-se em vários versículos. Diz Jesus: "Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito" (Jo 14.26). O Espírito Santo também ora ou "intercede" por nós (Rm 8.27), indicando uma distinção entre o Espírito Santo e Deus Pai, a quem se faz a intercessão.

Finalmente, o fato de o Filho não ser o espírito Santo também está indicado em várias passagens trinitárias mencionadas anteriormente, como a Grande Comissão (Mt 28.19), e em passagens que indicam que Cristo voltou ao céu e então enviou o Espírito Santo à igreja. Disse Jesus: "Todavia digo-vos a verdade, que vos convém que eu vá; porque, se eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, quando eu for, vo-lo enviarei." (Jo 16.7).

Alguns já questionaram se o espírito Santo é de fato uma pessoa distinta, e não simplesmente o "poder" ou a "força" de Deus em ação no mundo. Mas as evidências do Novo Testamento são bem claras e fortes. Primeiro há os diversos versículos mencionados acima, em que o Espírito Santo é revelado em coordenada relação com o Pai e o Filho ( Mt 28.19; 2 Co 12.4-6; 2 Co 13.13ou14; Ef 4.4-6; 1 Pe 1.2): como o Pai e o Filho são ambos pessoas, a expressão coordenada indica fortemente que o Espírito Santo também é uma pessoa. Depois há trechos em que o pronome masculino ele(gr. ekeinos) se refere ao Espírito Santo (Jp 14.26; 15.26; 16.13-14), o que não seria de esperar em face das regras da gramática grega, pois a palavra "espírito"(gr. pneuma) é neutra, não masculina, e a ela normalmente se alude com o pronome neutro ekeino. Além do mais, o nome consolador ou confortador (gr. parakeltos) é um termo comumente usado para falar de uma pessoa que ajuda ou dá consolo ou conselho a outra pessoa ou pessoas, mas se refere ao Espírito Santo no evangelho de João (Jo 14.16, 26; 15.23; 16.7).

Outras atividades pessoais são atribuídas ao Espírito Santo, como ensinar (Jo 14.26), dar testemunho (Jo 15.26; Rm 8.16), interceder ou orar em nome de outros (Rm 8.26-27), sondar as profundezas de Deus (1 Co 2.10), conhecer os pensamentos de Deus (2 Co 2.11), decidir conceder dons para alguns, e outros para outros (1 Co 12.11), proibir ou não permitir determinadas atividades (At 16.6-7), falar (At 8.29; 13.2; e muitas vezes no Antigo como no Novo Testamento), avaliar e aprovar um proceder sábio (At15.28) e se entristecer diante do pecado dos cristãos (Ef 4.30).

Por fim, se o Espírito Santo é interpretado meramente como o poder de Deus, e não como pessoa distinta, então várias passagens simplesmente não fariam sentido, pois nelas se mencionam tanto o Espírito Santo quanto o seu poder, ou o poder de Deus. Por exemplo, Lucas 4.14 ("Então, Jesus, no poder, regressou para Galiléia") significaria então "Jesus, no poder do poder, regressou para a Galiléia". E atos 10.38 ("Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder") significaria "Deus ungiu a Jesus com o poder de Deus e com poder" (ver também Rm 15.13; 1 Co 2.4).

Embora tantas passagens distingam claramente o Espírito Santo dos outros membros da Trindade, 2 Coríntios 3.17 se revela um versículo desconcertante: "Ora, o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade.". Os interpretes muitas vezes supõem que "Senhor" aqui só pode ser Cristo, pois Paulo usa freqüentemente "Senhor" para referir a Cristo. Mas provavelmente não é esse o caso aqui, pois a gramática e o contexto nos fornecem bons argumentos para dizer que esse versículo tem melhor tradução com o Espírito Santo o sujeito: "Ora, o Espírito é o Senhor ...". Nesse caso, Paulo estaria dizendo que o Espírito Santo é também "Jave" (ou "Jeová), o Senhor do Antigo Testamento (repare o claro pano de fundo do Antigo Testamento que se revela nesse contexto, a partir do v. 7). Teologicamente, isso seria aceitável, pois sem dúvida se pode dizer qua assem como Deus Pai é "Senhor" e Deus Filho é "Senhor" (no pleno sentido de "Senhor" no Antigo Testamento como nome de Deus), também o Espírito Santo é chamado "Senhor" no Antigo Testamento - e é o Espírito Santo que nos manifesta especialmente a presença do Senhor na era da nova aliança.

2. Cada pessoa é plenamente Deus.

Além do fato de serem as três pessoas distintas as Escrituras dão farto testemunho de cada pessoa é plenamente Deus.

Primeiro, Deus Pai é claramente Deus. Isso se evidencia desde o primeiro versículo da Bíblia no qual Deus cria o céu e a terra. É evidente em todo o Antigo e Novo Testamento, no quais Deus Pai é retratado nitidamente como Senhor soberano de tudo e onde Jesus orar ao seu Pai celeste.

Também, o Filho é plenamente Deus. Embora esse ponto seja desenvolvido com mais por menores no capítulo 26 [da Teologia Sistemática deste autor, donde tiramos este estudo] ("A Pessoa de Cristo"), podemos aqui mencionar de passagem vários trechos explícitos. João 1.1-4 afirma claramente a plena divindade de Cristo:

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens.

Aqui, Cristo é o "Verbo", e João diz que ele estava "com Deus" e também que ele "era Deus". O texto grego repete as palavras iniciais de Gênesis 1.1 ("No princípio...") e nos lembra de que João está falando de algo que já era verdade antes que o mundo fosse criado. Deus Filho sempre foi plenamente Deus.

A tradução "o Verbo era Deus" foi contestada pelas testemunhas-de-jeová, que vertem "o Verbo era um deus", implicando que o Verbo era simplesmente um ser celestial, mas não plenamente divino. Eles justificam essa tradução salientando que o artigo definido (gr. ho, "o") não aparece antes da palavra grega theos ("Deus). Dizendo que theos deve ser traduzido como "um deus". Porém, tal interpretação nunca foi acatada por nenhum estudioso grego de lugar algum, pois é sabido que a frase segue uma regra normal da gramática grega, e ausência do artigo definido indica meramente que "Deus" é o predicado, e não o sujeito da frase. (Uma publicação recente das testemunhas-de-jeová reconhece hoje essa relevante gramatical, mas assim mesmo persiste na sua posição a respeito de João 1.1).

A incoerência da posição das testemunhas-de-jeová pode ser vista na tradução que dão ao restante do capítulo. Por diversas outras razões gramaticais, a palavra theos também dispensa o artigo definido em outros pontos do capítulo, como no versículo 6 (Houve um homem enviado por Deus"), no versículo 12 ("poder de serem feitos filhos de Deus"), no versículo 13 ("mas de Deus") e no versículo 18 ("Ninguém jamais viu a Deus"). Se as testemunhas-de-jeová fossem coerentes no seu argumento sobre a ausências do artigo definido, teriam de traduzir todos esses versículos com a expressão "um deus",mas usaram "Deus" em todos eles.

João 20.28, no seu contexto, também é uma sólida prova em favor da divindade de Cristo. Tomé duvidava do relatos dos outros discípulos, de que haviam visto Jesus ressuscitado, e disse que não acreditaria se não visse as marcas dos cravos nas mãos de Jesus e não lhe tocasse com a mão na ferida do lado (jo 20.25). Então Jesus apareceu novamente aos discípulos, estando agora Tomé com eles. Disse a Tomé: "Põe aqui o dedo e vê as minhas mãos; chega também a mão e põe no me lado; não seja incrédulo, mas crente"" (Jo 20.28). Aqui Tomé chama Jesus de "Deus meu". A narrativa mostra que tanto João no modo com escreveu o seu evangelho quanto o próprio Jesus aprovam o que Tomé disse e incentivam todos os que ouvirem falar de Tomé a crer nas mesmas coisas em que Tomé creu. Jesus imediatamente disse a Tomé: "Porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram e creram" (Jo 20.29). Quanto a João, esse é o momento dramático mais forte do evangelho, pois ele logo a seguir diz ao leitor - já no versículo seguinte - que esta é a razão pela qual ele o escreveu:

"Jesus, pois, operou também em presença de seus discípulos muitos outros sinais, que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome. "(Jo 20.30-31)
Jesus fala daqueles que, mesmo sem o ver crerão, e João logo diz ao leitor que ele registrou os acontecimentos no evangelho para que todos também creiam assim, imitando Tomé na sua confissão de fé. Em outras palavras, todo o evangelho foi escrito para convencer as pessoas a imitar Tomé, que sinceramente chamou Jesus de "Senhor meu e Deus meu". Como esse é o motivo exposto por João como propósito do seu evangelho, a afirmação se reveste de autoridade.

Outras passagens afirmam a plena divindade de Jesus, como Hebreus 1, onde diz que Cristo é a "expressão exata" (gr. charakter, "reprodução exata") da natureza ou ser (gr.hypostasis) de Deus - significando que Deus Filho reproduzia o ser ou a natureza de Deus Pai em todos os aspectos: todos os atributos ou poderes que Deus Pai tem, Deus Filho também os tem. O autor ainda se refere ao Filho como "Deus" no versículo 8 ("Mas acerca do Filho: O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre") e atribui a criação dos céus a Cristo ao dizer dele: "No princípio, Senhor, lançaste os fundamentos da terra, e os céus são obras das tuas mãos" (Hb 1.10; citando Sl 102.25). Tito 2.13 refere-se ao "nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus" e 2 Pedro 1.1 fala da "justiça de nosso Deus e Salvador Jesus Cristo". Romanos 9.5, falando do povo judeu, diz: "Deles são os patriarcas, e a partir deles se traça a linhagem humana de Cristo, que é Deus acima de tudo, bendito para sempre! Amém" (NVI).

No Antigo Testamento, Isaías 9.6 profetiza:

Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu, e o principado está sobre os seus ombros, e se chamará o seu nome: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte ...

Aplicando a Cristo, essa profecia refere-se a ele como "Deus Forte". Observe aplicação semelhante dos títulos "Senhor" e "Deus" na profecias da vinda do Messias em Isaías 40.3: "Preparai o caminho do Senhor; endireitai no ermo vereda a nosso Deus", citada por João Batista na preparação para vinda de Cristo em Mateus 3.3.

Muitas outras passagens serão discutidas no capítulos 26, [da Teologia Sistemática deste autor], abaixo, mas essas já devem ser suficientes para demonstrar que o Novo Testamento claramente se refere a Cristo como Deus pleno. Como diz Paulo em Colossenses 2.9, "Porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade."
Além disso, O Espírito Santo é também plenamente Deus. Uma vez que entendemos que Deus Pai e Deus Filho são plenamente Deus, então as expressões trinitárias em versículos com Mateus 28.19 ("batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo") se revestem de relevância para a doutrina do Espírito Santo, pois mostram que o Espírito Santo está classificado no mesmo nível do Pai e do Filho. Isso se verifica quando percebemos quão impensável seria que Jesus dissesse algo como "batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do arcanjo Miguel", dando a um ser criado uma posição totalmente descabida, mesmo para um arcanjo. Os crentes de todas as épocas sempre foram batizados em nome (assumindo, portanto, o caráter) do próprio Deus. (Note também as outras passagens trinitárias mencionadas acima: 1 Co 12.4-6; 2 Co 13.14; Ef 4.4-6; 1 Pe 1.2; Jd 20-21.)

Em atos 5.3-4, Pedro pergunta a Ananias: "Por que encheu Satanás teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo [...]? Não mentiste aos homens, mas a Deus". Segundo as palavras de Pedro, mentir ao Espírito Santo é mentir a Deus. Paulo diz em 1 Coríntios 3.16: "Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?" O templo de Deus é o local onde o próprio Deus habita, o que Paulo explica pelo fato de que o "Espírito de Deus" ali habita, aparentemente igualando o Espírito de Deus ao próprio Deus.

Davi pergunta em Salmos 139.7-8: "Para onde me irei do teu Espírito, ou para onde fugirei da tua presença? Se subir ao céu, tu aí estás; se fizer no Seol a minha cama, eis que tu ali estás também." Essa passagem atribui a características divina da onipresença ao Espírito Santo, algo que não se aplica a nenhuma das criaturas de Deus. Parece que Davi faz equivaler o Espírito de Deus à presença de Deus. Ausentar-se do Espírito de Deus é ausentar-se da sua presença, mas se não há lugar para onde Davi pode fugir do Espírito de Deus, então ele sabe que aonde quer que vá terá de dizer: "Tu estás aí".

Paulo atribui a característica divina da onisciência ao Espírito Santo em 1 Coríntios 2.10-11: "Porque Deus no-las revelou pelo seu Espírito; pois o Espírito esquadrinha todas as coisas, mesmos as profundezas de Deus. Pois, qual dos homens entende as coisas do homem, senão o espírito do homem que nele está? assim também as coisas de Deus [ou os pensamentos de Deus], ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus.".

Além disso, o ato de dar novo nascimento a todo aquele que nasce de novo é obra do Espírito Santo. Disse Jesus:"... quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te admires de eu te dizer: importa-vos nascer de novo" (Jo 3.5-7). Mas o ato de dar nova vida espiritual às pessoas quando se tornam cristãs é algo que só Deus pode fazer (cf. 1 Jo 3.9, "nascido de Deus"). Essa passagem portanto dá nova indicação de que o Espírito Santo é plenamente Deus.

Até aqui temos duas conclusões, ambas fartamente ensinadas em toda a Bíblia:

1.       Deus é três pessoas.

2.       Cada pessoa é plenamente Deus.

Se a Bíblia ensinasse somente esses dois fatos, não haveria nenhuma dificuldade lógica em emparelhá-los, pois a solução óbvia seria que existem três Deuses. O Pai é plenamente Deus, o Filho é plenamente Deus e o Espírito santo é também plenamente Deus.Teríamos um sistema com três seres igualmente divinos. Tal crença se chamaria politeísmo - ou, mais especificamente, "triteísmo", ou crença em três Deuses. Mas isso passa bem longe do que ensina a Bíblia.

3.       Só há um Deus.

As Escrituras deixam bem claro que só existe um único Deus. As três diferentes pessoas da Trindade são um não apenas em propósito e em concordância no que pensam, mas um em essência, um na sua natureza essencial. Em outras palavras, Deus é um só ser. Não existem três Deuses. Só existe um Deus.

Uma das passagens mais conhecidas do Antigo Testamento é Deuteronômio 6.4-5: "Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças."

Ó Senhor, quem é como tu entre os deuses? Quem é como tu glorificado em santidade, admirável em louvores, realizando maravilhas? (Ex 15.11),

a resposta obviamente é: "ninguém. Deus é único, e não há ninguém como ele nem pode haver ninguém como ele. De fato, Salomão ora "para que todos os povos da terra saibam que o Senhor é Deus, e que não há outro." (1 Rs 8.60).

Quando Deus fala, repetidamente deixa claro que ele é o único Deus verdadeiro; a idéia de que existem três Deuses a adorar, e não um só, seria impensável diante de declarações tão veementes. Só Deus é o únicos Deus verdadeiro, e não há nenhum outro como ele. Quando ele fala, só ele fala - não fala como um Deus dentre três que devem ser adorados. Mas diz:

Eu sou o Senhor, e não há outro; fora de mim não há Deus; eu te cingirei, ainda que tu não me conheças;

Para que se saiba desde o nascente do sol, e desde o poente, que fora de mim não há outro; eu sou o Senhor, e não há outro. (Is 45.5-6).

Do mesmo modo, ele convoca toda a terra a olhar para ele:

Não há outro Deus, senão eu, Deus justo e Salvador não há além de mim.

Olhai para mim e sede salvos, vós, todos os limites da terra; porque eu sou Deus, e não há outro (Is 45.21-22; cf. 44.6-8).

O Novo Testamento também afirma que só há um Deus. Escreva Paulo: "Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem." (1 Tm 2.5). Paulo afirma que "Deus é um só" (Rm 3.30) e que "há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para quem existimos" (1 Co 8.6). Por fim, Tiago admite que até os demônios reconhecem que só há um Deus, ainda que essa aceitação intelectual do fato não seja suficiente para salvá-los: "Tu crês que há um só Deus; fazes bem. Também os demônios o crêem, e estremecem." (Tg 2.19). Mas nitidamente Tiago afirma que "faz bem" quem crê que "Deus é um só".

4. As soluções simplistas necessariamente neguam um dos ensinamentos bíblicos.

Agora temos três proposições, todas elas ensinadas nas Escrituras.

1.       Deus é três pessoas.

2.       Cada pessoa é plenamente Deus.

3.       Só há um Deus.

Ao longo de toda a história da igreja houve tentativas de encontrar uma solução simples para doutrina da Trindade pela negação de uma ou outra dessa proposições. Caso se negue a primeira proposição [1. Deus é três pessoas.], então resta-nos simplesmente o fato de que cada uma das pessoas mencionadas nas Escrituras (Pai, Filho e Espírito Santo) é Deus, e há um só Deus. Mas se não precisamos dizer que são pessoas distintas, então há uma solução fácil: não passam de nomes diferentes para uma pessoa que age de modos diversos em situações distintas. Às vezes essa pessoa se chama Pai, às vezes se chama Filho, às vezes se chama Espírito. Não temos dificuldade para compreender isso, pois sabemos por experiência própria que a mesma pessoa pode agir em dada situação como advogado (por exemplo), noutra como pai dos seus filhos e noutra como filho diante dos seus pais; a mesma pessoa é advogado, pai e filho. Mas tal solução negaria o fato de que as três pessoas sejam indivíduos distintos, de que Deus Pai envia Deus Filho ao mundo, de que o Filho ora ao Pai e de que o Espírito santo intercede junto ao Pai por nós.

Outra solução simples surge pela negação da segunda proposição [2. Cada pessoa é plenamente Deus.], ou seja, negar que algumas das pessoas mencionadas nas Escrituras são de fato plenamente Deus. Se simplesmente sustentamos que Deus é três pessoas e que só há um Deus, então podemos ser tentados a dizer que algumas dessas "pessoas" desse Deus único não são plenamente Deus, mas apenas partes subordinadas ou criadas de Deus. Essa solução seria adorada, por exemplo, por aqueles que negam a plena divindade do Filho (e do Espírito Santo). Mas, como vimos acima, essa solução teria de negar toda uma classe de ensinamentos bíblicos.

Por fim, como já observamos acima, uma solução simples poderia vir pela negação da existência de um só Deus. Mas isso resultaria na crença em três Deus, algo claramente contrário às Escrituras.

Embora o terceiro erro não seja comum, como veremos abaixo, cada um dos dois primeiros erros já apareceu num momento ou noutro da história da igreja, e ainda persiste hoje dentro de alguns grupos.

5. Todas as analogias têm falhas.

Se não podemos adotar nenhuma dessas soluções simplistas, então como juntar as três verdade bíblicas para assim sustentar a doutrina da Trindade? As pessoas já usaram várias analogias retiradas da natureza ou da experiência humana para tentar explicar essa doutrina. Embora tais analogia sejam úteis num nível elementar de compreensão, todas elas se revelam inadequadas ou ilusórias numa reflexão mais aprofundada. Dizer, por exemplo,que Deus é como um trevo de três folhas, que mesmo tendo três partes é apenas um trevo, não é satisfatório, pois cada folha apenas faz parte do trevo, e não se pode dizer que nenhuma das folhas é todo o trevo. Mas na Trindade, cada uma das pessoas não é apenas uma parte separada de Deus, mas plenamente Deus. Além disso, a folha de um trevo é impessoal e não tem portanto personalidade distinta e complexa como cada pessoa da Trindade.

Outros já usaram a analogia das três partes de uma árvore: raiz, tronco e ramos constituem uma só arvore. Mas surge um problema semelhante, pois trata-se somente de partes de uma árvore, e não se pode dizer que nenhuma dessas partes é a árvore inteira. Além do mais, nessa analogia as partes têm propriedade distintas, diferentemente das pessoas da Trindade, que possuem todos os atributos de Deus em igual medida. E a ausência de personalidade em cada uma das partes é outra deficiência.

A analogia das três formas de água (vapor, água e gelo) é também inadequada, porque: (a) nenhuma quantidade de água jamais é ao mesmo tempo todas as três formas, (b) as três formas têm propriedades ou características diferentes, (c) a analogia nada tem que corresponda ao fato de existir somente um Deus (mas existe algo como "uma só água" ou "toda a água do universo") e (d) falta o elemento da personalidade inteligente.

Outras analogias foram derivadas da experiência humana. Poder-se-ia dizer que a Trindade é como um homem que é ao mesmo tempo fazendeiro, prefeito da sua cidade e presbítero da sua igreja. Ele desempenha papéis diferentes em momentos distintos, mas é um só homem. Porém, essa analogia é bastante falha, pois só uma pessoa executa essas três atividades em momento diferentes, e o modalismo não contempla a relação pessoal entre os membros da Trindade. (Na verdade, essa analogia simples ensina a heresia chamada modalismo, discutida abaixo.)

Outras analogia retirada da vida humana é a união entre intelecto, emoções e vontade numa pessoa. Embora sejam componentes de uma personalidade, nenhum desses fatores constitui a pessoa inteira. E as partes não são de características idênticas, mas têm capacidades distintas.

Então que analogia usaremos para explicar a Trindade? Embora a Bíblia use muitas analogias derivadas da natureza e da vida para nos ensinar aspectos diversos do caráter de Deus (Deus é como uma rocha na sua fidelidade, como um pastor no seu cuidado, etc.), é interessante notar que nenhum trecho das Escrituras se acha alguma analogia que explique a doutrina da Trindade. O mais próximo que chegamos de uma analogia se encontra nos próprios títulos "Pai" e "Filho", títulos que nitidamente dizem respeito a pessoas distintas e à íntima relação que existe entre os dois numa família. Mas no plano humano, logicamente, temos dois seres totalmente distintos, nenhum deles formado de três pessoas distintas. É melhor concluir que nenhuma analogia explica adequadamente a Trindase, que todas são ilusórias em aspectos importantes.

6. Deus existe eterna e necessariamente como Trindade.

Quando o universo foi criado, Deus Pai proferiu as potentes palavras criadoras que o gerarem; Deus Filho foi o agente divino que executou essas palavras (Jo 1.3; 1 Co 8.6; Cl 1.16; Hb 1.2) e o Espírito de Deus "pairava por sobre as águas" (Gn 1.2). Então é como seria de esperar: se os três membros da Trindade são iguais e plenamente divinos, então todos eles existiram desde a eternidade, e Deus sempre existiu eternamente como Trindade (cf. também Jo 17.5,24). Além disso, Deus não pode ser diferente do que é, pois é imutável. Portanto, parece correto concluir que Deus existe necessariamente como Trindade - não pode ser diferente do que é.