sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Esfera em que Ocorre a Justificação – Louis Berkhof

A questão quanto à esfera em que ocorre a justificação deve ser respondida com discernimento. É costume distinguir entre uma justificação ativa e uma passiva, também denominadas objetiva e subjetiva, cada qual com a sua própria esfera.

1. JUSTIFICAÇÃO ATIVA OU OBJETIVA. Esta é a justificação no sentido mais funda¬mental da palavra. É básica em relação ao que se chama justificação subjetiva, e consiste numa declaração que Deus faz a respeito do pecador, declaração feita no tribunal de Deus. Não se trata de uma declaração de que Deus simplesmente absolve o pecador, sem levar em conta as reivindicações da justiça, mas, sim, de uma declaração divina de que, no caso do pecador em foco, as exigências da lei são satisfeitas. O pecador é declarado justo em vista do fato de que a justiça de Cristo lhe é imputada. Nesta transação Deus comparece, não como um Soberano absoluto que simplesmente põe de lado a lei, mas como um Juiz justo, que reconhece os méritos infinitos de Cristo como uma base suficiente para a justificação, e como um Pai misericordioso, que perdoa e aceita graciosamente o pecador. Esta justificação ativa antecede logicamente à fé e a justificação passiva. Cremos no perdão dos pecados.

2. JUSTIFICAÇÃO PASSIVA OU SUBJETIVA. A justificação passiva ou subjetiva tem lugar no coração ou na consciência do pecador. Uma justificação puramente objetiva, que não fosse dada a conhecer ao pecador, não corresponderia ao propósito pretendido. A concessão de perdão a um prisioneiro não significaria nada, se as alegres novas não lhe fossem comunicadas e as portas da prisão não fossem abertas. Além disso, é exatamente neste ponto, melhor do que noutro qualquer, que o pecador aprende a entender que a salvação é inteiramente de graça. Quando a Bíblia fala de justificação, normalmente se refere àquilo que é conhecido como jus¬tificação passiva. Deve-se ter em mente, porém, que as duas são inseparáveis. Uma se baseia na outra. Faz-se a distinção simplesmente para facilitar a correta compreensão do ato de justificação. Logicamente, a justificação passiva vem em seguida à fé; somos justificados pela fé.

F. Ocasião em que se Dá a Justificação

Alguns teólogos separam cronologicamente a justificação ativa e passiva. Neste caso, dizem que a justificação ativa deu-se na eternidade, ou quando da ressurreição de Cristo, ao passo que a justificação passiva realiza-se pela fé, e, portanto, assim se diz, segue-se à outra, no sentido cronológico. Consideraremos sucessivamente a justificação desde a eternidade, a justificação na ressurreição de Cristo e a justificação pela fé.

1. JUSTIFICAÇÃO DESDE A ETERNIDADE. Os antinominianos afirmavam que a jus-tificação do pecador aconteceu na eternidade ou na ressurreição de Cristo. Eles a confundiam, quer com o decreto eterno de eleição, quer com a justificação objetiva de Cristo quando ele ressurgiu dos mortos. Eles não distinguiam acertadamente entre o propósito divino na eternida¬de e sua execução no tempo, nem entre a obra de Cristo em que ele obteve as bênçãos da redenção, e a do Espírito Santo, na aplicação delas. Segundo esta posição, somos justificados antes de crermos, embora inconscientes disto, e a fé apenas nos transmite a declaração deste fato. Além disso, o fato de que os nossos pecados foram imputados a Cristo faz dele pessoal¬mente um pecador, e a imputação da sua justiça a nós faz-nos pessoalmente justos, de modo que Deus não pode ver absolutamente nenhum pecado nos crentes. Alguns teólogos reformados também falam de uma justificação desde a eternidade, mas, ao mesmo tempo, recusam-se a subscrever a elaboração antinominiana desta doutrina. As bases sobre as quais eles acreditam numa justificação desde a eternidade merecem breve consideração.

a. Bases da doutrina da justificação desde a eternidade.

(1)     A Escritura fala de uma graça ou misericórdia de Deus que é desde a eternidade, SI 25.6; 103.17. Ora, toda graça ou misericórdia que seja desde a eternidade tem que ter como sua base judicial uma justificação que seja também desde a eternidade. Mas, em resposta a isto, pode-se dizer que existem misericórdias e bondades eternas de Deus que não são baseadas em nenhuma justificação do pecador, como, por exemplo, o seu plano de redenção, a dádiva de seu Filho e a voluntária função de penhor exercida por Cristo no pactum salutis.

(2)     No pactum salutis a culpa dos pecados dos eleitos foi transferida para Cristo, e a justiça de Cristo lhes foi imputada. Quer dizer que o fardo do pecado foi retirado dos ombros deles e que eles foram justificados. Pois bem, não há dúvida de que houve certa imputação da justiça de Cristo ao pecador no conselho de redenção, mas nem toda imputação pode ser cha¬mada justificação, no sentido escriturístico do termo. Devemos distinguir entre o que teve apenas um caráter ideal no conselho de Deus e aquilo que se concretiza no transcurso da história.

(3)     O pecador recebe a graça inicial da regeneração sobre a base da justiça de Cristo a ele imputada. Conseqüentemente, os méritos de Cristo têm que lhe ser imputados antes da sua regeneração. Mas apesar desta consideração levar à conclusão de que a justificação precede logicamente à regeneração, isto não prova a prioridade cronológica da justificação. O pecador não pode receber a graça da regeneração com base numa justificação existente idealmente no conselho de Deus e que conta com a certeza de que se concretizará na vida do pecador.

(4)     As crianças também precisam da justificação, para serem salvas, e, todavia, é-lhes totalmente impossível experimentar a justificação pela fé. Mas, embora seja mais que certo que as crianças que ainda não atingiram a maturidade não podem ter experiência da justificação passiva, podem ser justificados ativamente no tribunal de Deus e, assim, podem ter posse da¬quilo que é absolutamente essencial.

(5)     A justificação é um ato imanente de Deus e, como tal, só pode ser oriundo da eternidade. Não é bem correto, porém, falar da justificação como um actus immanens (ato imanente) em Deus; é, antes, um actus transiens (ato transitivo), exatamente como a criação, a encarnação e outros mais. Os defensores da justificação desde a eternidade vêem o peso desta consideração e, daí, apressam-se a garantir-nos que eles não pretendem ensinar que os eleitos são justificados desde a eternidade actualiter (em termos de ação concretizada), mas unicamente na intenção de Deus, no decreto divino. Isto nos leva de volta à distinção usual entre o conselho de Deus e sua execução. Se esta justificação presente na intenção de Deus nos permite falar de uma justificação desde a eternidade, então não há absolutamente nenhum motivo pelo qual não devamos falar também de uma criação desde a eternidade.

b. Objeções à doutrina da justificação desde a eternidade.

(1)     A Bíblia ensina uniformemente que a justificação se dá pela fé ou é provinda da fé. Naturalmente, isto se aplica à justificação passiva ou subjetiva, que, entretanto, não pode sepa¬rar-se cronologicamente da justificação ativa ou objetiva, exceto no caso das crianças. Mas, se a justificação se realiza pela fé, certamente não precede à fé, no sentido cronológico. Ora, é certo que os defensores da justificação desde a eternidade também falam da justificação pela fé. Mas, na sua descrição da matéria, isto só pode significar que, pela fé, o homem ganha consciên¬cia daquilo que Deus fez na eternidade.

(2)     Em Rm 8.29,30, onde vemos alguns dos degraus (scalae) da ordo salutis (ordem da salvação), a justificação está entre dois atos de Deus realizados no tempo, quais sejam, a voca¬ção e a glorificação, sendo que esta começa no tempo e se completa na eternidade futura. E estes três, juntos, resultam de outros dois que são explicitamente indicados como eternos. O Dr. Kuyper não tem base para dizer que Rom 8.30 se refere àquilo que aconteceu com os regenerados antes de nascerem, como até o dr. De Moor, que também acredita numa justificação desde a eternidade, mostra-se disposto a admitir.

(3)     Ao ensinar-se a justificação desde a eternidade, o decreto de Deus a respeito da justi¬ficação do pecador, que é um actus immanens, é identificado com a própria justificação, que é um actus transiens. Isto só leva a confusão. O que teve lugar no pactum salutis (aliança da salvação) não pode ser identificado com o que disso resulta. Toda imputação ainda não é justificação. A justificação é um dos frutos da obra redentora de Cristo aplicada aos crentes pelo Espírito Santo. Mas o Espírito não aplicou, nem poderia aplicar, este ou qualquer outro fruto da obra de Cristo desde a eternidade.

2. JUSTIFICAÇÃO NA RESSURREIÇÃO DE CRISTO. A idéia de que, nalgum sentido da palavra, os pecadores são justificados na ressurreição de Cristo, foi apregoada por alguns Arminianos, é ensinada por aqueles teólogos reformados que acreditam numa justificação des¬de a eternidade, e também é definida por alguns outros eruditos reformados. Este conceito se funda nas seguintes bases:

a.       Com sua obra expiatória, Cristo satisfez todas as exigências da lei pelo seu povo. Na ressurreição de Cristo dentre os mortos, o Pai declarou publicamente que todas as condições da lei foram preenchidas para todos os eleitos e, com isso, eles foram justificados. Mas aqui também se requer uma distinção muito cuidadosa. Mesmo que seja verdade que houve uma justificação objetiva de Cristo e de todo o corpo de Cristo em sua ressurreição, não se deve confundir isto com a justificação do pecador a que a Bíblia se refere. Não é verdade que, quando Cristo prestou plena satisfação ao Pai por todos os seus, a culpa destes acabou naturalmente. O débito penal não é como uma dívida pecuniária, neste sentido. Mesmo depois de pago o resgate, a remoção da culpa pode depender de certas condições, e não ocorre como um resultado líquido e certo. No sentido escriturístico, os eleitos não são justificados enquanto não aceitam a Cristo pela fé, apropriando-se assim dos seus méritos.

b.      Em Rm 4.25 lemos que Cristo "ressuscitou por causa da {dia, causai, a causa de) nossa justificação", isto é, para efetuar a nossa justificação. Pois bem, é indubitavelmente certo que dia com o acusativo aqui é causai nesta passagem. Ao mesmo tempo, não é necessariamente retrospectiva, mas também pode ser prospectiva e, daí, pode significar "com vistas à nossa justificação", o que equivale dizer: "a fim de que pudéssemos ser justificados". A interpretação retrospectiva entraria em conflito com o contexto imediatamente subseqüente, que mostra claramente: (1) que Paulo não está pensando na justificação objetiva de todo o corpo de Cristo, mas na justificação pessoal dos pecadores; e (2) que ele entende que isto se dá por meio da fé.

c.       Em 2Co 5.19 lemos: "... Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões". Desta passagem se deduz a inferência de que a reconciliação do mundo com Cristo envolve a não imputação do pecado ao pecador. Mas esta interpretação não é correta. O que o apóstolo quer dizer é, evidentemente: Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, como transparece no fato de que ele não imputa aos homens os seus pecados, e de que ele confiou aos seus servos a palavra da reconciliação. Observe-se que me logizomenos (tempo presente) refere-se a algo que está indo avante constantemente. Não se pode conceber que isto faz parte da reconciliação objetiva, pois, neste caso, a cláusula seguinte, "e nos confiou a palavra da reconciliação", também teria que ser interpretada assim, o que é inteiramente impossível.

Com relação a esta matéria, pode-se dizer que podemos falar de uma justificação do corpo global de Cristo em sua ressurreição, mas esta justificação é puramente objetiva, e não deve ser confundida com a justificação pessoal do pecador.

POR QUEM CRISTO MORREU? JOHN OWEN

O Pai impôs Sua ira devido a, e o Filho suportou o castigo por, um dos três:

1. Todos os pecados de todos os homens.
2. Todos os pecados de alguns homens.
3. Alguns dos pecados de todos os homens.

No qual caso pode ser dito:

a. Que se a última opção for a verdadeira, todos os homens têm alguns pecados pelos quais responder, e assim, ninguém será salvo.

b. Que se a segunda opção for a verdadeira, então Cristo, no lugar deles sofreu por todos os pecados de todos os eleitos no mundo inteiro, e esta é a verdade.

c. Mas se a primeira opção for o caso, porque nem todos os homens são livres do castigo devido para os seus pecados?

Você responde: Por causa da incredulidade. Eu pergunto: Esta incredulidade é um pecado, ou não é? Se for, então Cristo sofreu o castigo devido por ela, ou não. Se Ele sofreu, por que este pecado deve impedi-los mais do que os seus outros pecados pelos quais Ele morreu? Se Ele não sofreu por tal pecado, Ele não morreu por todos os seus pecados!

TEONTOLOGIA

Teontologia é o estudo da Doutrina de Deus e de suas Relações com a Criação.
Estaremos abodando aqui vários tópicos, tipo:

A Criação;
A Providência Divina;
Nesta ágina teremos acesso a vários estudos relacionados com a doutrina de Deus.;
E tantos outros temas relacionados.
AGUARDEM!
E o que Deus determinou antes que acontecesse? De acordo com Romanos 8:29-30, Deus pré-determinou que certas pessoas estariam em conformidade com a imagem de Seu filho, sendo chamadas, justificadas e glorificadas. Essencialmente, Deus predetermina que certas pessoas sejam salvas. Várias Escrituras se referem aos crentes em Cristo como sendo escolhidos (Mateus 24:22, 31; Marcos 13:20, 27; Romanos8:33; 9:11; 11:5-7,28; Efésios 1:11; Colossenses 3:12; I Tessalonicenses 1:4; I Timóteo 5:21; II Timóteo 2:10; Tito 1:1; I Pedro 1:1-2; 2:9; II Pedro 1:10). Predestinação é a doutrina bíblica de que Deus, em sua soberania, escolhe certas pessoas para serem salvas.

TULIP: Os Cinco Pontos do Calvinismo

TULIP: Os Cinco Pontos do Calvinismo

Depravação Total do Gênero humano
Por
Phil Johnson
Todo membro da raça de Adão nasce totalmente depravado, caído, alienado de Deus, e em escravidão ao mal. Em Romanos 6, Paulo chama isso de escravidão ao pecado. Ele diz, além disso, em Romanos 6:20, que as pessoas que são escravas do pecado são totalmente destituídas da verdadeira retidão. Todos os que estão em tal estado de pecado e incredulidade são inimigos de Deus (Romanos 5:8,10). Eles são "estranhos e inimigos no entendimento pelas vossas obras malignas" (Colossenses 1:21)".
Totalmente.
A depravação humana é "total" da mesma forma que a morte é total. Você não pode estar parcialmente morto. Você pode estar muito, muito doente ou extremamente machucado e sendo mantido por aparelhos, mas você está ou morto, ou vivo. Não existem graus de morte.
De fato, quando a Bíblia descreve a depravação humana, normalmente utiliza a linguagem da morte espiritual.
Efésios 2, por exemplo, diz que as pessoas em seu estado decaído estão mortas em delitos e pecados – espiritualmente mortos (v. 1). Eles andam em mundanismo e desobediência (v. 2). Eles vivem segundo as inclinações da carne, enquanto "fazendo a vontade da carne e dos pensamentos" e são, "por natureza, filhos da ira, como também os demais" (v. 3). Eles estão "sem Cristo, separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo" (v. 12).
"A depravação humana é "total" da mesma forma que a morte é total. Você não pode estar parcialmente morto."
Em Romanos 8:6, Paulo diz que "o pendor da carne dá para a morte". Ele está falando sobre a mentalidade carnal da incredulidade, descrevendo o que significa ser totalmente depravado. Ele segue adiante dizendo (v. 7-8): "O pendor da carne é inimizade contra Deus, pois não está sujeito à lei de Deus, nem mesmo pode estar. Portanto, os que estão na carne não podem agradar a Deus."
Em outras palavras, a morte espiritual é uma total inabilidade de amar a Deus, uma total inabilidade em obedecê-lO, e uma absoluta incapacidade de agradá-lO.
Ora, muitos não-cristãos negarão que eles são hostis a Deus. Mas eles estão se auto-iludindo. Na verdade, muitos que invocam o nome de Cristo e reivindicam amar a Deus não amam, de fato, o Deus da Bíblia. Eles amam um deus que só existe na imaginação deles – um deus tolerante, profano, passivo, frágil e fraco. Esse não é o Deus da Bíblia. O Deus da Bíblia é santo demais para o gosto dos pecadores. Ele é irado demais contra pecado. Os Seus padrões são por demais elevados. As Suas leis não estão de acordo com a preferência deles. Portanto, apesar deles professarem amar a Deus, não amam o verdadeiro Deus que se revelou nas Escrituras. Eles não são capazes de amá-lO.
A incapacidade de amar a Deus como devemos é a própria essência da depravação total. Ela torna-nos impotentes para cumprir o primeiro e grande mandamento: "Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força" (Marcos 12:30)". Portanto, tudo o que o pecador faz é permeado pelo pecado, porque ele está vivendo a vida em violação constante do mandamento mais importante de todos.
Por outro lado, "depravação total" não significa que todos os pecadores sempre são tão ruins quanto podem ser. Não significa que todo incrédulo viverá a sua depravação integralmente. Não significa que todos os não-cristãos são moralmente iguais a animais irracionais ou serial killers. Não significa que pessoas de não-convertidas são incapazes de cometer atos de bondade ou benevolência para com outros seres humanos. Na verdade o próprio Jesus declarou que os incrédulos fazem bem às pessoas em troca do bem que é feito a eles próprios (Lucas 6:33).
A raça humana foi criada à imagem de Deus. Embora o pecado tenha corrompido aquela imagem, até mesmo não-cristãos são capazes de subir a altos níveis de bondade humana, honestidade, decência e excelência. Depravação "total" não significa que toda mulher não salva deve ser uma terrível bruxa, ou que todo homem não-crente é um psicopata degenerado. Significa que incrédulos, aqueles que estão na carne, não podem agradar a Deus.
"Assim a palavra "total" em "depravação total" refere-se à extensão da nossa pecaminosidade e não ao grau em que nós a manifestamos."
Assim a palavra "total" em "depravação total" refere-se à extensão da nossa pecaminosidade e não ao grau em que nós a manifestamos. Significa que o mal contaminou todos os aspectos do nosso ser – nossa vontade, nosso intelecto, nossas emoções, nossa consciência, nossa personalidade, e nossos desejos.
Usando terminologia bíblica, o pecado corrompeu totalmente o coração humano. Jeremias 17:9 diz, "Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?" Se o coração é corrupto, toda a pessoa está contaminada.
Descrevendo nossa depravação como corrupção do coração, as Escrituras deixam claro que o real problema conosco encontra-se no centro do nosso ser. Nossa própria alma é infectada pelo pecado. Nada em nós permanece puro. Nossa tendência para pecar é inflexível e, no final das contas, inconquistável. O pecado, então, define quem nós somos.
Diante de um Deus perfeitamente santo e impecavelmente íntegro nós somos profanos, pecadores, completamente degenerados – não importando quão bons aparentemente sejamos em termos humanos. Ser verdadeiramente íntegros não é meramente difícil para nós; é impossível.
Isso é tão verdade sobre alguém como Mahatma Gandhi ou Madre Teresa como é sobre Adolph Hitler ou Jeffrey Dahmer*. A relativa bondade das melhores pessoas do mundo nunca é suficiente para merecer a aprovação de Deus. Seu único padrão é a perfeição absoluta. O melhor dos pecadores não chega nem perto.
Vejamos uma ilustração: suponhamos que todos os leitores de Pyromaniacs fossem enfileirados em Point Dume (a praia mais próxima da minha casa), e todos nós tentássemos nadar até Cingapura. A maioria de nós provavelmente se afogaria antes de atingir Catalina – que fica apenas a 42 quilômetros. Uma coisa é certa: Ninguém chegaria a Cingapura. Todos nós estaríamos mortos muito antes da meta ser atingida. Se eu fosse um jogador (e eu não sou) eu apostaria tudo o que tenho que ninguém chegaria até mesmo até o Havaí, que fica a menos da metade do caminho.
Uma pergunta: Será que aqueles que morreram antes de nadar duas milhas são piores do que aqueles que morreram a trinta e sete quilômetros da praia? É claro que não. Todos estariam igualmente mortos. A meta era tão desesperadora para o nadador especializado e ultra-treinado, como para o sujeito gordo que fez seu treinamento sentado em frente a um computador escrevendo em seu blog o dia inteiro.
"As pessoas estão preparadas para serem chamadas de pecadoras no seu pecado, mas elas não querem ser rotuladas de pecadoras na sua religião."
É assim que as coisas são com o pecado. Todos os pecadores estão condenados diante de Deus. Até mesmo os melhores da descendência de Adão são completamente pecadores no coração. Não importa quão bons eles possam parecer pela lente do julgamento humano, eles estão exatamente na mesma condição desesperadora do mais vil degenerado – talvez até em um estado pior, porque é mais difícil para eles reconhecerem o seu pecado. De forma que eles combinam o seu pecado com a auto-justificação.
As pessoas estão preparadas para serem chamadas de pecadoras no seu pecado, mas elas não querem ser rotuladas de pecadoras na sua religião. Mas isso é crucial: A religião humana não contradiz a depravação. Ela a confirma e prova. A religião humana coloca outros deuses no lugar legítimo do verdadeiro Deus. É a própria essência do ódio a Deus. É falsa adoração. Nada além de uma tentativa de depor o próprio Deus. É a pior expressão da depravação.
Lembrem-se: Foram os fariseus que Jesus condenou com a injúria mais severa que Ele jamais proferiu. Por quê? Afinal de contas, eles acreditavam que as Escrituras eram literalmente verdade. Eles tentavam obedecer rigidamente a lei. Eles não eram como os Saduceus, liberais religiosos que negavam o sobrenatural. Eles eram os fundamentalistas teológicos dos seus dias.
Entretanto, eles se recusaram a reconhecer a falência dos seus próprios corações. Eles confiaram em si mesmos de que eram íntegros e continuaram a tentar estabelecer a sua própria retidão, em vez de submeterem-se à retidão de Deus (Romanos 10:3). Lembram-se do que eles disseram ao cego de nascença em João 9:34? "Tu és nascido todo em pecado" - como se eles não fossem.
Em outras palavras, eles rejeitaram a doutrina da depravação total, e isso conduziu à sua absoluta condenação. Jesus disse: "Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes; não vim chamar justos, e sim pecadores" (Marcos 2:17). "Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido" (Lucas 19:10).
Eles pensavam que todas as suas boas obras os tornavam justos. Mas religião e boas obras não cancelam a depravação. A depravação corrompe até as formas mais elevadas de religião e boas obras. George Whitefield disse que Deus poderia nos condenar pela melhor oração que nós pudéssemos fazer. John Bunyan concordou. Ele disse que achava que a melhor oração que ele já tivesse feito tinha pecado suficiente nela para condenar o mundo inteiro. Isaías escreveu: "Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia; todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniqüidades, como um vento, nos arrebatam" (Isaías 64:6).
Pecadores não remidos são, portanto, incapazes de fazer qualquer coisa que agrade a Deus. Eles não podem amar o Deus que se revela nas Escrituras. Eles não podem obedecer à lei de coração, com uma motivação pura. Eles não podem sequer compreender a essência da verdade espiritual. Primeira Coríntios 2:14 diz: "O homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente". Incrédulos são, portanto, incapazes de ter fé. E "sem fé é impossível agradar a Deus" (Hebreus 11:6).
Notem: A palavra chave em tudo isso é incapacidade. Pecadores são totalmente incapazes de responder a Deus, à parte da Sua graça capacitadora.
Este é o ponto de partida para um entendimento saudável e bíblico da soteriologia.

COMO FUNCIONA A SANTIFICAÇÃO

A palavra santificar nas Escrituras vem de palavras gregas e hebraicas que significam "separar". Ser santificado é ser separado do pecado. Na conversão, todos os crentes são libertos da escravidão do pecado, libertos do cativeiro do pecado — separados para Deus, ou santificados. No entanto, nesse momento, o processo de separação do pecado apenas teve seu início. Conforme crescemos em Cristo, nos tornamos mais separados do pecado e mais consagrados a Deus. Assim, a santificação que ocorre na conversão apenas inicia um processo, que dura toda a vida, pelo qual somos separados mais e mais do pecado e moldados em conformidade com Cristo — separados do pecado e separados para Deus.

Cristãos no processo de amadurecimento nunca transformam-se em pessoas que se auto-justificam, presunçosas ou satisfeitas com seu progresso. Não buscam a auto-estima, mas em vez disso procuram trabalhar com seu pecado. E quanto mais nos tornamos semelhantes a Cristo, mais sensíveis ficamos aos vestígios corruptos da carne. Quando amadurecemos na santidade, nosso pecado se torna mais doloroso e mais óbvio a nós mesmos. Quanto mais rejeitamos nosso pecado, mais percebemos as tendências pecaminosas que ainda precisam ser abandonadas. Este é o paradoxo da santifícação: quanto mais santos nos tornamos, mais frustrados ficamos pelos restos resistentes do nosso pecado. O apóstolo Paulo descreve nitidamente sua própria angústia sobre esta realidade em Romanos 7. 21-24:

Então, ao querer o bem, encontro a lei de que o mal reside em mim. Porque, no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo, nos meus membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros. Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?

Romanos 7 apresenta muitos desafios difíceis aos intérpretes da Bíblia, mas certamente a questão mais difícil de todas é como é que Paulo pôde dizer essas coisas após ter escrito no capítulo 6: " Foi crucificado com ele c nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado como escravos; porquanto quem morreu está justifícado do pecado" (Rm 6.6,7).

Essas são verdades vitais para o cristão entender. Elas detêm a fórmula para um andar espiritual saudável e dão um discernimento prático de como deveríamos batalhar contra o pecado em nossa vida. A fim de entendê-las melhor devemos voltar a Romanos 6. De acordo com o Dr. Warfield, Romanos 6 "foi escrito com o único propósito de afirmar e demonstrar que justificação e santificação estão indissoluvelmente ligadas". Ou, na imaginação de Paulo, o morrer com Cristo (justificação) e o viver com Cristo (santificação) são ambos resultados necessários da verdadeira fé. Aqueles que acham que a graça trata a santidade como opcional estão tragicamente enganados. Aqueles que acham que experimentaram toda a santificação que precisavam estão igualmente iludidos. Aqueles que acham que a auto-estima é mais importante que a santidade estão cegos para verdade. Se conhecêssemos os princípios de Deus para trabalhar com o pecado, deveríamos compreender que isso é uma luta de vida e morte, até o final. Contentar-se com bons sentimentos a respeito de si mesmo é contentar-se com o pecado.

John MacArthur

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Lutero e a verdadeira Pregação - Steven Key

A influência de Martinho Lutero sobre a pregação é digna de consideração. A Reforma aconteceu, afinal de contas, pela restauração da pregação fiel, com Lutero e os outros reformadores abrindo o caminho.

Embora seria um exagero dizer que a pregação tinha sido inteiramente perdida antes da Reforma, é verdade que haviam poucos pregadores fiéis na igreja, e a própria pregação certamente tinha caído em tempos difíceis. O elemento da proclamação, o "assim diz o Senhor" que é o cerne de toda pregação verdadeira, tinha sido quase perdido. Por essa razão, uma das mais importantes contribuições de Lutero à igreja foi sua ênfase sobre a pregação.

O próprio Lutero nos dá uma visão do que a pregação comumente envolvia em seus dias, ridicularizando e desprezando abertamente o que se passava então por pregação na igreja por parte de pastores infiéis. Os sermões eram superficiais, freqüentemente incluindo fábulas ou estórias, bem como uma mistura de filosofia pagã. Além do mais, esses "sermões" eram geralmente comunicados de uma forma vulgar ou cômica, para entreter o povo. Cristo era esquecido. As Escrituras eram negligenciadas.

"Ó, temos tido pregadores cegos por um longo tempo; eles têm sido totalmente cegos, e líderes de cegos, como o evangelho diz; deixaram o evangelho e seguiram suas próprias idéias, preferindo a obra de homens ao invés da obra de Deus".

Nunca medindo palavras, Lutero falou duramente dos pregadores infiéis:

Esses são os pregadores preguiçosos e inúteis que não dizem aos príncipes e senhores seus pecados. Em alguns casos, nem notam os pecados. Eles deitam e roncam em seu ofício, e não fazem nada que pertença ao mesmo, exceto que, como porcos, ocupam o lugar onde bons pregadores deveriam estar.

Contra essa corrupção da pregação, Lutero exigia fervorosamente uma pregação bíblica e expositiva. "Foi Lutero quem redescobriu tanto a forma como a substância dessa pregação... Para ele pregação era a verdadeira

Palavra de Deus mesmo, e, como tal, ocupava a posição central da Igreja" De fato, a ênfase sobre pregar o evangelho se tornou uma das principais marcas das igrejas da Reforma e, como Lutero nunca cansou de apontar, deu propósito bem como autoridade à existência delas.


Pregação com Substância

Martinho Lutero entendia que a pregação fiel deve ter substância. Essa substância é a verdade do evangelho, a exposição fiel da Sagrada Escritura.

A.   Skevington Wood resume a pregação de Lutero da seguinte forma:

A característica saliente da pregação de Lutero era seu conteúdo e referência bíblica. Ele estava preso à Palavra. Sua pregação nunca era meramente tópica. Ele nunca poderia transformar um texto num pretexto. "Eu me esforço para tratar um versículo, para agarrá-lo", ele explicou, "e assim instruir o povo de forma que possam dizer, 'Era sobre isso o sermão'." Sua pregação nunca foi um movimento dos homens para o texto; sempre foi um movimento do texto para os homens. O assunto nunca determinava o texto; o texto sempre determinava o assunto. Ele não tinha o hábito de abordar assuntos ou questões, mas doutrinas. Mas quando o fazia, ele invariavelmente seguia uma determinada passagem da Escritura, passo a passo. Ele considerava uma das principais qualificações do pregador ser familiarizado com a Palavra.

Lutero ensinou claramente a centralidade da Palavra. Fé é nada mais que aderência à Palavra de Deus. É essa Palavra que destrói o pecador pela lei, e levanta o crente no evangelho.

Sua alta estima pela Palavra de Deus explica o porquê Lutero também tentava pregar sistematicamente por toda a Escritura, pregando séries de sermões tanto do Antigo quanto do Novo Testamento.

Por causa dessa ênfase bíblica sobre a primazia da Palavra e a centralidade da pregação, Lutero não tinha lugar para o falso misticismo que troca a Palavra de Deus pelos sentimentos internos. "Fora com os cismáticos que menosprezam a Palavra, enquanto sentam-se nos cantos aguardando a revelação do Espírito, mas à parte da voz da Palavra!".

Deve ser observado nessa conexão que Lutero falava da pregação em termos de "a voz". Ele disse: "Observem: o princípio de todo conhecimento espiritual é essa voz de alguém clamando, como Paulo também diz, Romanos 10:14: "Como crerão... sem um pregador?'."


Pregação com Autoridade

Lutero ensinou claramente que a pregação que é fiel e verdadeira vem como a autoridade da "voz".

Esse pensamento refletia a alta visão de Lutero do ofício. O ministro é enviado por Deus e entrar no ofício de Deus. "Dessa forma, S. Paulo é confiante (2Co. 13:3) que está falando não sua própria palavra, mas a Palavra do Senhor Cristo. Assim nós, também, podemos dizer que ele a colocou em nossa boca."

Essa verdade era importante para Lutero, também, em face de toda a oposição que obscurecia seu caminho. Era uma verdade que ele proclamava consistentemente.

Em seu tratamento do Salmo 2, falando do ofício de Cristo como Mestre que declara o decreto de Deus, Lutero explicou que o Espírito Santo assim nos ensina que Deus faz tudo por meio do Filho. Pois quando o Filho prega a Lei, o Pai mesmo, que está no Filho ou é um com o Filho, prega. E quando pregamos sobre esse mesmo decreto, Cristo mesmo prega, como ele diz: 'Quem vos ouve a vós, a mim me ouve' (Lucas 10:16).9

O pregador, portanto, é o porta-voz de Deus, o instrumento através do qual Cristo e Deus pregam.

Nós, pastores e ouvintes, somos apenas alunos; há somente uma diferença, que Deus está falando a você por meio de mim. Esse é o poder glorioso da Palavra divina, através da qual Deus mesmo lida conosco e fala conosco, e na qual ouvimos o próprio Deus.

Comentando sobre João 14:10, Lutero escreve: "Não somos nós que falamos; é o próprio Cristo e Deus. Por conseguinte, quando você ouve este sermão, está ouvindo Deus mesmo. Por outro lado, se despreza este sermão, está desprezando não nós, mas o próprio Deus."


Pregação e a Obra do Espírito
Porque Cristo fala pela pregação do evangelho, a pregação é poderosa e eficaz na realização do propósito para o qual Deus a envia.

Assim, Lutero chama a atenção em seus escritos para o lugar do Espírito Santo na pregação. Cristo opera essa palavra poderosa por seu Espírito Santo. É através das palavras de pregadores que o Espírito Santo opera, convencendo o mundo do pecado e estabelecendo a fé dos eleitos de Deus por meio do chamado eficaz e irresistível.

O Espírito Santo de Cristo dá à pregação o seu poder. Cristo atrai os homens por meio da palavra somente, resgatando o seu povo do poder do pecado e da morte, e dando-lhes liberdade, justiça e vida,

Essa coisa grande e maravilhosa é realizada inteiramente por meio do ofício da pregação do Evangelho. Visto superficialmente, parece algo insignificante, sem qualquer poder, como qualquer discurso ou palavra de um homem comum. Mas quando tal pregação é ouvida, seu poder invisível e divino está em ação no coração dos homens por meio do Espírito Santo. Portanto, S. Paulo chama o Evangelho de "um poder para salvação de todos que têm fé" (Rm. 1:16).

Claramente, os pregadores são apenas instrumentos nas mãos de Deus: "Que faremos? Podemos deplorar a cegueira e obstinação do povo, mas não podemos trazer uma mudança para melhor".13 Somente quando Cristo mesmo fala por seu Espírito Santo é que a pregação é poderosa para mudar e trazer salvação.

"Eu, nem qualquer outra pessoa pode pregar a Palavra adequadamente; o Espírito Santo somente deve expressá-la e pregá-la".14 Pois é o Espírito que opera obras pela palavra. Quando por meio da pregação externa da palavra e o testemunho interior do Espírito Santo a fé é criada, então o que é prometido no evangelho se torna eficaz para o crente.
"Conseqüentemente, ela é uma Palavra de poder e graça quando infunde o Espírito ao mesmo tempo em que fulmina os ouvidos. Mas se ela não infunde o Espírito, então aquele que ouve não difere de forma alguma daquele que é surdo."


Ouvindo a Pregação

Lutero não ignorou o chamado de todos os que ouvem a pregação, para examinar essa pregação, a fim de ver se a mesma é fiel às Sagradas Escrituras. "Por conseguinte, essa é a pedra de toque pela qual toda doutrina deve ser julgada. Uma pessoa deve tomar cuidado e ver se essa é ou não a mesma doutrina que foi publicada em Sião por meio dos apóstolos". É tal pregação que é usada por Deus como a voz poderosa e salvífica de Cristo. "Pois essa somente, como tem sido dito, é a verdadeira doutrina, que concede aos homens um entendimento correto e adequado, conforto ao coração e salvação".

Junto com essas linhas, Lutero enfrenta honestamente a questão de se Cristo fala ou não através de um pregador, simplesmente porque o mesmo ocupa o ofício.

Em primeiro lugar, devemos saber que aqueles que são enviados falam a Palavra de Deus somente se aderem ao seu ofício e o administram da forma como o receberam. Nesse caso, certamente estão falando a Palavra de Deus. Um embaixador ou emissário do rei cumpre seu dever quando permanece pela ordem e instrução do mestre. Se falha nisso, o rei decapitou-o.

Quando um ministro, portanto, prega fielmente a palavra de Deus, Cristo se agrada em falar por meio dele por seu Espírito Santo; se não, então essas palavras aplicam-se ao pregador: "Acautelai-vos dos falsos profetas!" Não devemos falar nem ouvir nada, senão a palavra de Deus.
Por essa razão, o evangelho deve ser ouvido e pregado. A pregação não tem apenas substância, mas também um conteúdo bem específico. Lutero insiste: "A primeira mensagem do pregador é ensinar penitência, remover ofensas, proclamar a Lei, humilhar e aterrorizar os pecadores".18 Nosso pecado deve ser exposto pela pregação do evangelho. Concernente ao livro de Romanos, ele diz,

A soma e substância dessa carta é: rebaixar, erradicar e destruir toda sabedoria e justiça da carne. não importa quão enérgica e sinceramente elas possam ser praticadas, devemos implantar, estabelecer e engrandecer a realidade do pecado. Pois Deus não quer nos salvar por nós mesmos, mas por uma justiça externa que não se origina em nós, mas que nos vem dos céus."

A necessidade de pregar a depravação do homem é encontrada no fato que a graça é dada aos humildes. Cristo não veio salvar os justos, mas trazer os pecadores ao arrependimento (Lucas 5:32). Assim, Lutero diz: "Não pode ser humilde aquele que não reconhece ser condenável, cujo pecado fede até os altos céus. O desejo pela graça se origina quando o reconhecimento pelo pecado aparece. Uma pessoa doente procura o médico quando reconhece a seriedade da sua enfermidade".

E porque o povo de Deus tem uma luta contínua com sua carne pecaminosa, a pregação deve ser antitética. Ela deve ser pregação que não somente soa a trombeta de prata da salvação, mas que soa também a buzina que expõe e reprova o homem velho do pecado e chama ao arrependimento.

Como Lutero reconheceu e experimentou, requer-se coragem na pregação para servir como um embaixador de Cristo. Mas o pregador não pode deter-se em pregar meramente o pecado, pois então equivaleria a machucar e não ligar, ferir e não curar. "Portanto, devemos pregar também a palavra de graça e a promessa de perdão, pela qual a fé é ensinada e levantada".

O foco de toda pregação deve ser Cristo. O único conteúdo de sua mensagem é sobre ele. "Essa é a essência de sua pregação: Eis o seu Deus! Tromova Deus somente, sua misericórdia e graça. Pregue somente a mim'."

Portanto, não menos que Calvino, Soli Deo Gloria era o moto de Lutero. A soberania de Deus ocupava um lugar proeminente em toda a pregação de Lutero, pois ele realmente pregava o evangelho. Chegou até ele também o grito da Reforma: "Deixem Deus ser Deus!" Em suas palavras: "O evangelho proclama nada mais que a salvação pela graça, dada ao homem sem quaisquer obras e méritos, seja quais forem. O homem natural não pode receber, ouvir e ver o evangelho. Nem podem os hipócritas, pois o evangelho joga fora as suas obras, declarando que eles não são nada, e não agradam a Deus."

Somente Deus opera sua maravilhosa obra de graça ao nos salvar. Pois em Cristo somente descansa toda a nossa salvação. O evangelho é pregado com o propósito de consolar com graça aqueles que são contritos de coração.

Martinho Lutero também viu a importância da pregação à luz dos seus frutos positivos. Em oposição aos erros do legalismo, ele reconheceu que a vida cristã deve ser uma vida de gratidão a Deus e, portanto, um abraçar consciente do evangelho de uma salvação graciosa. Vidas gratas seguem-se à pregação fiel.

A abordagem de Lutero para com a pregação é uma que mais tarde seria delineada no Catecismo de Heidelberg. Esse é o caminho do conforto, operado pelo Espírito por meio da pregação.

"Assim, não são as pedras, a construção, e a grandiosa prata e ouro que tornam uma igreja bela e santa; é a Palavra de Deus e a pregação sã."24 E essa é a pregação na qual Deus é glorificado.
Tal pregação é a maior bênção de Deus para a sua igreja. "Portanto, que aqueles que têm a Palavra pura aprendam a recebê-la e dar graças ao Senhor por ela, e que busquem ao Senhor enquanto se pode achar."25 Que nós, os filhos da Reforma, possamos nos humilhar e agradecer a Deus pela pregação fiel. Deus certamente exigirá que prestemos conta de nossa pregação e do nosso escuta

Considera, pois, a bondade e a severidade de Deus” - Romanos 11:22


 No último capítulo, quando tratando da Soberania de Deus o Pai na salvação, examinamos sete passagens que O representam como fazendo uma escolha dentre os filhos dos homens, e predestinando certas pessoas para serem conformadas à imagem de Seu Filho. O leitor pensativo naturalmente perguntará: E aqueles que não foram “ordenados para a vida eterna?”. A resposta que é usualmente retornada a esta questão, mesmo por aqueles que professam crer no que a Escritura ensina concernente à soberania de Deus, é que Deus ignora os não-eleitos, deixando-lhes sozinhos para seguir o seu próprio caminho, e no fim lança-lhes no Lago de Fogo porque recusaram Seu caminho, e rejeitaram o Salvador de Sua providência. Mas isto é somente uma parte da verdade; a outra parte — que é mais ofensiva à mente carnal — é ignorada ou negada.

Em vista da terrível solenidade do assunto aqui diante de nós, em vista do fato que hoje quase todos — mesmo aqueles que professam serem Calvinistas — rejeitam e repudiam esta doutrina, e em vista do fato que este é um dos pontos em nosso livro que certamente levantará mais controvérsias, sentimos que uma inquirição profunda deste aspecto da Verdade de Deus é demandada. Que este ramo do assunto da soberania de Deus é profundamente misterioso nós voluntariamente concordamos, todavia, isto não é motivo para que o rejeitemos. O problema é que, hoje em dia, há muitos que recebem o testemunho de Deus somente até onde eles podem satisfatoriamente dar respostas para todas as razões e fundamentos de Sua conduta, o que significa que eles não aceitam nada exceto aquilo que pode ser medido nas insignificantes escalas de suas próprias capacidades limitadas.

Declarando isto de uma forma mais clara, o ponto a ser considerado agora é: Deus pré-ordenou certas pessoas para condenação? Que muitos serão eternamente condenados é claro a partir das Escrituras, que cada um será julgado de acordo com suas obras e colherá assim como ceifou, e que em conseqüência sua “condenação é justa” (Romanos 3:8), é igualmente certo, e que Deus decretou que os não-eleitos deveriam escolher o curso que eles seguem, nos responsabilizamos por provar agora.

Do que foi posto diante de nós, no capítulo anterior, concernente ao decreto de alguns para salvação, deve-se inevitavelmente seguir, mesmo se a Escritura tivesse se silenciado sobre isso, que deve haver uma rejeição de outros. Cada escolha, evidente e necessariamente, implica uma rejeição, porque onde não há um deixar de lado, não pode haver nenhuma escolha. Se há aqueles a quem Deus escolheu para salvação (2 Tessalonicenses 2:13), deve haver outros que não foram escolhidos para salvação. Se há alguns que o Pai deu a Cristo (João 6:37), deve haver outros que Ele não deu a Cristo. Se há alguns cujos nomes estão escritos no livro da Vida do Cordeiro (Apocalipse 21:27), deve haver outros cujos nomes não estão escritos lá. Que este é o caso, será completamente provado abaixo.

Visto que todos reconhecem que desde a fundação do mundo Deus certamente pré-conheceu e previu quem receberia e quem não receberia a Cristo como o seu Salvador, portanto, ao dar a existência e o nascimento àqueles que Ele sabia que rejeitariam a Cristo, Ele necessariamente os criou para condenação. Tudo o que pode ser dito em réplica a isto é: Não, embora Deus tenha previsto que estes rejeitariam a Cristo, todavia, Ele não decretou que eles deveriam assim fazer. Mas isto é evitar a real questão do assunto. Deus tinha uma razão definida pela qual criou o homem, um propósito específico pelo qual criou este ou aquele indivíduo, e em vista da eterna destinação de Suas criaturas, Ele propôs que alguns destes passariam a eternidade no Céu e que outros a passariam no Lago de Fogo. Se Ele, então, previu, ao criar certa pessoa, que esta pessoa desprezaria e rejeitaria o Salvador, e mesmo sabendo isto de antemão, Ele, não obstante, trouxe tal pessoa à existência, então, é claro que Ele designou e ordenou que esta pessoa deveria ser eternamente perdida. Novamente; fé é um dom de Deus, e o propósito de dá-la somente a alguns, envolve o propósito de não dá-la a outros. Sem fé não há salvação —“Quem crê nele não é condenado” — portanto, se há alguns descendentes de Adão aos quais Ele propôs não dar fé, deve ser porque Ele ordenou que eles deveriam ser condenados.

Não somente não há escapatória destas conclusões, mas a história as confirma. Antes da Encarnação Divina, por quase dois mil anos, a vasta maioria da humanidade foi deixada destituída até dos meios externos de graça, não sendo favorecidos pela pregação da Palavra de Deus e nem com a revelação escrita de Sua vontade. Por muitos e longos séculos Israel foi a única nação a quem a Deidade concedeu alguma revelação especial de Si mesma — “O qual nos tempos passados deixou andar todas as nações em seus próprios caminhos” (Atos 14:16) — “De todas as famílias da terra somente (Israel) a vós vos tenho conhecido” (Amós 3:2). Conseqüentemente, como todas as outras nações foram privadas da pregação da Palavra de Deus, elas eram estranhas à fé que vinha através disso (Romanos 10:17). Estas nações não somente eram ignorantes do próprio Deus, mas do caminho que Lhe agrada, da verdadeira maneira de aceitação para com Ele, e os meios de se chegar ao eterno gozo dEle mesmo.

Ora, se Deus tivesse desejado a salvação deles, não teria lhes concedido os meios para salvação? Não teria lhes dado todas as coisas necessárias para este fim? Mas é um fato inegável que Ele não deu. Se, então, a Deidade pode, consistentemente, com Sua justiça, misericórdia e benevolência, negar a alguns os meios de graça, e deixá-los em densas trevas e incredulidade (por causa dos pecados de seus antepassados, gerações anteriores), porque deve ser considerado incompatível com Suas perfeições o excluir algumas pessoas, muitas, da própria graça, e da vida eterna que está ligada a ela? Vendo que Ele é Senhor e soberano Árbitro tanto do fim para os quais os meios levam, como dos meios que levam a este fim, perguntamos: por quê?

Vindo para os nossos próprios dias, e para aqueles em nosso próprio país — deixando de lado as quase inumeráveis multidões de pagãos não evangelizados — não é evidente que há muitos vivendo em terras onde o Evangelho é pregado, terras as quais são cheias de igrejas, que morrem estranhos a Deus e a Sua santidade? Verdade, os meios de graça estavam à sua mão, mas muitos deles não os conheceram. Milhares nascem em casas onde eles são ensinados desde a infância com respeito a todos os Cristãos como sendo hipócritas e aos pregadores como sendo trapaceiros astutos. Outros, são instruídos desde o berço no Catolicismo Romano, e são treinados com respeito ao Cristianismo Evangélico como sendo uma heresia mortífera, e a Bíblia como um livro altamente perigoso para aqueles que a lêem. Outros, educados em famílias da “Ciência Cristã”, não conhecem mais do verdadeiro Evangelho de Cristo do que os pagãos não evangelizados. A grande maioria destes morrem em absoluta ignorância do Caminho da Paz. Não somos obrigados a concluir que não foi a vontade de Deus lhes comunicar graça? Tivesse Sua vontade sido de outra forma, não teria realmente comunicado Sua graça a eles? Se, então, foi a vontade de Deus, no tempo, recusar-lhes Sua graça, deve ter sido Sua vontade desde toda eternidade, visto que Sua vontade é, como Ele mesmo, a mesma ontem, e hoje e para sempre. Que não esqueçamos que as providências de Deus são nada menos do que as manifestações de Seus decretos: o que Deus faz no tempo é somente o que Ele propôs na eternidade — Sua própria vontade sendo a única causa de todos os Seus atos e obras . Portanto, a partir do Seu real deixar alguns homens na incredulidade e impenitência final, seguramente entendemos que foi a Sua eterna determinação assim fazer; e, conseqüentemente, que Ele reprovou alguns desde antes da fundação do mundo.

Na Confissão de Westminster é dito: “Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, pré-ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece”. O falecido Sr. F. W. Grant — um estudioso e escritor muito cuidadoso e cauteloso — comentando sobre estas palavras, disse: “É perfeitamente, divinamente verdadeiro, que Deus ordenou para Sua própria glória tudo quanto acontece”. Se estas declarações são verdadeiras, não está a doutrina da Reprovação estabelecida por elas? Que, na história humana, é uma coisa que acontece todos os dias? Que, se estes homens ou mulheres morrerem, passarão deste mundo para uma eternidade sem esperança, uma esperança de sofrimento e desgraça. Se, então, Deus tem pré-ordenado tudo quanto acontece, então, Ele deve ter decretado que um vasto número de seres humanos passaria deste mundo sem serem salvos, para sofrer eternamente no Lago de Fogo. Admitindo a premissa geral, não é a conclusão específica inevitável?

Em réplica aos parágrafos precedentes, o leitor poderá dizer: Tudo isto é simplesmente racionável, lógico sem dúvida, mas, todavia, meras inferências. Muito bem, apontaremos agora que em adição às conclusões acima, há muitas passagens nas Santas Escrituras, que são mui claras e definitivas no seu ensino sobre este assunto solene; passagens que são muito claras para serem mal-entendidas e fortes demais para serem evadidas. O maravilhoso é que tantos homens bons negaram suas inegáveis afirmações.

“Por muito tempo Josué fez guerra contra todos estes reis. Não houve cidade que fizesse paz com os filhos de Israel, senão os heveus, moradores de Gibeom; por guerra as tomaram todas. Porquanto do SENHOR vinha o endurecimento de seus corações, para saírem à guerra contra Israel, para que fossem totalmente destruídos e não achassem piedade alguma; mas para os destruir a todos como o SENHOR tinha ordenado a Moisés” (Josué 11:18-20). O que poderia ser mais claro do que isto? Aqui estava um grande número de Cananitas cujos corações o Senhor endureceu, os quais Ele tinha o propósito de destruir absolutamente, para os quais Ele não demonstrou “nenhum favor”. Concordamos que eles eram ímpios, imorais e idólatras; seriam eles piores do que os imorais e idólatras canibais das Ilhas do Oceano Sul (e muitos outros lugares), para os quais Deus deu o Evangelho através de John G. Paton? Certamente não. Então, porque Jeová não ordenou que Israel ensinasse as Seus leis e os instruísse concernente aos sacrifícios ao verdadeiro Deus? Claramente porque Ele os marcou para destruição, e se é assim, desde toda eternidade.

“O SENHOR fez todas as coisas para Si mesmo: sim, até o ímpio para o dia do mal” (Provérbios 16:4). Que o Senhor fez todas as coisas, talvez todo leitor deste livro concordará: que Ele fez todas as coisas para Si mesmo não é tão amplamente crido. Que Deus nos fez, não por nossa própria causa, mas para Si mesmo; não para nossa felicidade, mas para Sua glória; é, todavia, repetidamente afirmado na Escritura — Apocalipse 4:11. Mas Provérbios 16:4 vai mais além: ele expressamente declara que o Senhor fez os ímpios para o Dia do Mal; que este foi o Seu desígnio ao lhes dar a existência. Mas, porque? Romanos 9:17 nos informa: “Porque diz a Escritura a Faraó: Para isto mesmo te levantei; para em ti mostrar o meu poder, e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra”. Deus fez o ímpio para que, no final, Ele possa demonstrar “Seu poder” — demonstrá-lo pela exibição de quão fácil é para Ele subjugar o rebelde mais vigoroso e destruir o Seu inimigo mais forte.

“E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade” (Mateus 7:23). No capítulo anterior foi demonstrado que as palavras “conhecer” e “pré-conhecimento”, quando aplicadas a Deus nas Escrituras, têm referência não simplesmente a Sua presciência (isto é, Seu conhecimento desnudo de antemão), mas ao Seu conhecimento de aprovação. Quando Deus disse a Israel: “De todas as famílias da terra somente a vós (Israel) vos tenho conhecido” (Amós 3:2), é evidente que Ele quis dizer: “Somente vocês têm o meu favor”. Quando lemos em Romanos 11:2: “Deus não rejeitou o seu povo (Israel), o qual de antemão conheceu”, é óbvio que o significado é: “Deus não rejeitou finalmente aquele povo que Ele escolheu como objetos de Seu amor — conforme Deuteronômio 7:7,8. Da mesma forma (e é a única forma possível) devemos entender Mateus 7:23. No Dia do Julgamento o Senhor dirá a muitos: “Eu nunca vos conheci”. Observe, é mais do que simplesmente “Eu não vos conheço”. Sua declaração solene será: “Eu nunca vos conheci” — vocês nunca foram os objetos da Minha aprovação. Contraste isto com o “Eu conheço (amo) as Minhas ovelhas, e das Minhas sou conhecido (amado)” (João 10:14). As “ovelhas”, Seus eleitos, os “poucos”, Ele “conhece”; mas os réprobos, os não-eleitos, os muitos, Ele não conhece — não , nem mesmo antes da fundação do mundo Ele os conheceu — Ele “NUNCA” os conheceu!

Em Romanos 9 a doutrina da soberania de Deus em sua aplicação tanto aos eleitos como aos réprobos é tratada de forma extensiva. Uma exposição detalhada deste importante capítulo está além do nosso presente escopo; tudo o que podemos tentar é estender-nos sobre a parte dele que mais claramente toca no assunto que estamos agora tratando.

Verso 17: “Porque diz a Escritura a Faraó: Para isto mesmo te levantei; para em ti mostrar o meu poder, e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra”. Estas palavras nos levam de volta para os versos 13 e 14. No verso 13 o amor de Deus a Jacó e Seu ódio para com Esaú são declarados. No verso 14 é perguntado: “Há injustiça da parte de Deus?” e aqui no verso 17 o apóstolo continua sua réplica a esta objeção. Não podemos fazer melhor do que citar os comentários de Calvino sobre estes versos:

“...consideremos dois pontos aqui: primeiro, a predestinação de Faraó para a destruição, a qual se relaciona com o justo e secreto conselho de Deus; segundo, o propósito desta predestinação, que era o de proclamar o nome de Deus. É sobre este que Paulo particularmente insiste. Se o endurecimento do coração de Faraó foi de tal vulto que trouxe notoriedade para o nome de Deus, então é blasfemo acusá-lo de injustiça.

Visto que muitos intérpretes destroem igualmente o significado desta passagem, na tentativa de amenizar esta aspereza, é indispensável observar que no hebraico a expressão ‘ Eu te levantei ' é ‘ Eu te nomeei '. Deus está, aqui, desejoso de mostrar que a obstinação de Faraó não o impediria de livrar a seu povo. Ele afirma não simplesmente que previra a violência de Faraó, e que tinha em mãos os meios de restringi-la, mas, sim, que também a ordenara para este propósito, com o expresso intuito de fazer uma demonstração mais notável de seu poder. É, pois, um mal-entendido traduzir a passagem, como o fazem alguns escolásticos, no sentido de que Faraó fora preservado por um período de tempo, visto que a discussão, aqui, ao contrário, se refere ao que aconteceu no início. Visto que muitos acidentes costumam sobrevir ao ser humano, procedentes de várias direções, como fim de retardar seus propósitos e impedir o curso normal de suas ações, Deus diz que Faraó era produto da eleição divina, e que seu caráter lhe fora dado por Deus mesmo. As palavras eu te levantei se adequam muito bem a esta interpretação...” (João Calvino, Romanos , Editora Paracletos, páginas 335-336) .

Pode ser observado que Calvino dá a força da palavra hebraica que Paulo usa: “Para este propósito Eu te levantei,” — “Eu te nomeei”. Como esta é a palavra sobra a qual a doutrina e o argumento do verso dependem, queremos apontar além do mais que ao fazer a citação de Êxodo 9:16 o apóstolo significativamente não usa a Septuaginta — a versão então em uso comum, e a qual ele mui freqüentemente cita — e substitui a cláusula para a primeira que é dada pela Septuaginta: no lugar de “Por esta razão tenho te preservado”, ele dá “Para este mesmo fim eu te levantei”!

Mas devemos agora considerar em maior detalhe o caso de Faraó, que resume um concreto exemplo da grande controvérsia entre o homem e seu Criador. “Porque agora tenho estendido minha mão, para te ferir a ti e ao teu povo com pestilência, e para que sejas eliminado da terra; Mas, deveras, para isto te mantive , para mostrar meu poder em ti, e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra” (Êxodo 9:15,16). Sobre estas palavras oferecemos os seguintes comentários:

Primeiro, sabemos a partir de Êxodo 14 e 15 que Faraó foi “eliminado”, que foi eliminado por Deus, que foi eliminado no meio de sua impiedade, que foi eliminado não pelas doenças ou pelas enfermidades que acompanham a velhice, nem pelo que os homens denominam “um acidente”, mas eliminado pela mão imediata de Deus em julgamento.

Em segundo lugar, é claro que Deus levantou Faraó para este mesmo fim — para “eliminá-lo”, que na linguagem do Novo Testamento significa “destruí-lo”. Deus nunca faz algo sem um prévio desígnio. Ao dar-lhe a existência, preservando-o através da infância à maioridade, ao levantar-lhe sobre o trono do Egito, Deus tem um fim em vista. Que tal foi o propósito de Deus é claro a partir de Suas palavras a Moisés antes de descer ao Egito, e exigir de Faraó que o povo de Jeová deveria ter permissão para fazer uma jornada de três dias no deserto para adorá-Lo — “E disse o SENHOR a Moisés: Quando voltares ao Egito, atenta que faças diante de Faraó todas as maravilhas que tenho posto na tua mão; mas eu lhe endurecerei o coração , para que não deixe ir o povo” (Êxodo 4:21). Não somente assim aconteceu, como também o próprio desígnio e propósito de Deus foi declarado muito antes disto. Há quatrocentos anos Deus disse previamente a Abraão: “Sabes, de certo, que peregrina será a tua descendência em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos, m as também eu julgarei a nação , à qual ela tem de servir, e depois sairá com grande riqueza”. Destas palavras é evidente (uma nação e o seu rei eram considerados como um só no Velho Testamento) que o propósito de Deus foi formado muito antes dEle dar existência à Faraó .

Em terceiro lugar, uma examinação dos tratamentos de Deus com Faraó deixa claro que o rei do Egito foi deveras “um vaso de ira preparado para destruição”. Posto no trono do Egito, com as rédeas do governo em suas mãos, ele se sentou como cabeça da nação que ocupou o primeiro lugar entre os povos do mundo. Não havia outro monarca na terra capaz de controlar ou ditar Faraó. A tal vertiginosa altura Deus levantou este réprobo, e tal curso foi um passo natural e necessário para prepará-lo para o seu destino final, porque é um axioma Divino que “a soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda” (Provérbios 16:18). Além do mais, — e isto é profundamente importante para observar e altamente significante — Deus removeu de Faraó a única restrição externa que poderia lhe servir de controle. A concessão a Faraó de poderes ilimitados de um rei o colocou acima de toda influência e controle legal. Mas além disto, Deus removeu Moisés de sua presença e reino. Se Moisés, o qual não somente foi instruído em toda ciência dos Egípcios, mas também foi educado na casa de Faraó, tivesse tolerado permanecer em íntima proximidade ao trono, não pode haver dúvida de que o seu exemplo e influência teriam sido um poderoso controle sobre a impiedade e tirania do rei. Esta, embora não seja a única, foi claramente uma das razões pelas quais Deus enviou Moisés para Midiã, porque foi durante a sua ausência que o rei desumano do Egito formou os seus mais cruéis editos. Deus designou, pela remoção desta restrição, dar a Faraó plena oportunidade para se encher completamente com os seus pecados, e preparar-se para a sua mais merecida, embora predestinada, ruína.

Em quarto lugar, Deus “endureceu” o seu coração assim como declarou que faria (Êxodo 4:21). Isto está de pleno acordo com as declarações da Sagrada Escritura — “Do homem são as preparações do coração, mas do SENHOR a resposta da língua” (Provérbios 16:1); “Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR, que o inclina a todo o seu querer” (Provérbios 21:1). Como o de todos os outros reis, o coração de Faraó estava na mão do Senhor; e Deus tinha tanto o direito como o poder para incliná-lo para onde quisesse. E agradou-Lhe incliná-lo contra todo bem. Deus determinou impedir que Faraó cedesse às Suas exigências através de Moisés para que deixasse Israel ir, até que Ele tivesse preparado-o completamente para a sua queda final, e porque nada menor do que isto o teria preparado completamente, Deus endureceu o seu coração.

Finalmente, é digno de cuidadosa consideração observar como a vindicação de Deus em Seus tratamentos com Faraó foi completamente confirmada. É extremante extraordinário descobrir que temos o próprio testemunho de Faraó a favor de Deus e contra ele mesmo! Em Êxodo 9:15 e 16 aprendemos como Deus disse a Faraó o propósito pelo qual Ele o tinha levantado, e no verso 27 do mesmo capítulo somos informados que Faraó disse: “Esta vez pequei; o SENHOR é justo , mas eu e o meu povo ímpios”. Note que isto foi dito por Faraó depois que ele soube que Deus o tinha levantado para “eliminá-lo”, depois que Seus severos julgamentos foram enviados sobre ele, depois que Ele tinha endurecido o seu próprio coração. Neste tempo Faraó já estava completamente amadurecido para o julgamento, e totalmente preparado para decidir se Deus o havia injuriado, ou se ele tinha procurado injuriar a Deus; e reconheceu inteiramente que tinha “pecado” e que Deus era “justo”. Novamente, temos o testemunho de Moisés que estava completamente inteirado da conduta de Deus para com Faraó. Ele ouviu desde o princípio qual era o desígnio de Deus relativo a Faraó; ele tinha testemunhado os tratamentos de Deus com ele; e observado a sua “muita paciência” para com este vaso de ira preparado para a destruição; e no final ele contemplou a destruição dele no julgamento Divino no Mar Vermelho. Qual foi, então, a impressão de Moisés?

Ele levantou o choro da injustiça? Atreveu-se a acusar Deus de injustiça? Muito longe disso. Deveras, ele disse: “Ó SENHOR, quem é como tu entre os deuses? Quem é como tu glorificado em santidade, admirável em louvores, realizando maravilhas? ” (Êxodo 15:11).

Foi Moisés movido por um espírito vindicativo conforme ele via o arquiinimigo de Israel “eliminado” pelas águas do Mar Vermelho? Certamente não. Mas para remover para sempre toda dúvida sobre este ponto, apontamos como que os santos no céu, depois de terem testemunhado os julgamentos severos de Deus, alegraram-se em cantar “o cântico de Moisés, servo de Deus, e o cântico do Cordeiro, dizendo: Grandes e maravilhosas são as tuas obras, Senhor Deus Todo-Poderoso! Justos e verdadeiros são os teus caminhos, ó Rei dos santos” (Apocalipse 15:3). Aqui, então, está o clímax, e a completa e final vindicação dos tratamentos de Deus com Faraó. Os santos no céu alegram-se em cantar o Cântico de Moisés, no qual este servo de Deus celebrou o louvor de Jeová em destruir Faraó e seus exércitos, declarando que em assim agindo, Deus não era injusto, mas justo e verdadeiro. Devemos crer, portanto, que o Juiz de toda terra tinha direito de criar e destruir este vaso de ira, Faraó.

O caso de Faraó estabelece o princípio e ilustra a doutrina da Reprovação. Se Deus realmente reprovou Faraó, podemos justamente concluir que Ele reprovou todos os outros que não predestinou para serem conformados à imagem de Seu Filho. O apóstolo Paulo manifestadamente traça esta inferência a partir do destino de Faraó, porque em Romanos 9, depois de se referir ao propósito de Deus em levantar Faraó, ele continua, “portanto”. O caso de Faraó é introduzido para provar a doutrina da Reprovação como a contraparte da doutrina da Eleição.

Para concluir, devemos dizer que ao formar Faraó, Deus não mostrou nem justiça nem injustiça, mas somente Sua desnuda soberania. Como o oleiro é soberano ao formar vasos, assim Deus é soberano ao formar agentes morais .

Versículo 18: “Logo, pois, compadece-se de quem quer, e endurece a quem quer”. O “portanto” [“pois”] anuncia a conclusão geral que o apóstolo traça de tudo o que ele tinha dito nos três versos precedentes, negando que Deus era injusto ao amar Jacó e odiar Esaú, e especificamente aplica o princípio exemplificado nos tratamentos de Deus com Faraó. Isto traça tudo de volta à soberana vontade de Deus. Ele ama um e odeia outro, exerce misericórdia para com alguns e endurece outros, sem referência a qualquer coisa, salvo Sua própria vontade soberana.

O que é mais repugnante à mente carnal no verso acima é a referência ao “endurecimento” — “Endurece a quem quer” — e é justamente aqui que tantos comentaristas e expositores têm adulterado a verdade. A visão mais comum é que o apóstolo não está falando de nada mais do que endurecimento judicial, isto é, um abandono de Deus porque estes objetos de Seu desprazer rejeitaram primeiro Sua verdade e O esqueceram. Aqueles que sustentam esta interpretação apelam às passagens tais como Romanos 1:19-26 — “Deus os entregou”, isto é (veja o contexto), aqueles que “conheciam a Deus” e todavia não O glorificaram como Deus (v. 21). O apelo é também feito a 2 Tessalonicenses 2:10-12. Mas é para ser notado que a palavra “endurecer” não ocorre em nenhuma destas passagens. Além do mais, declaramos que Romanos 9:18 não tem nenhuma referência a “endurecimento” judicial. O apóstolo não está falando daqueles que deixaram de crer na verdade de Deus, mas pelo contrário, está tratando com a soberania de Deus, a soberania de Deus como é vista não somente em mostrar misericórdia a quem quer, mas também em endurecer a quem quer. As palavras exatas são “A quem Ele quer” — não “todos que tinham rejeitado Sua verdade” — “Ele endurece”, e isto, vindo imediatamente depois da menção de Faraó, claramente fixa o seu significado. O caso de Faraó é claro o suficiente, apesar do homem, por seu brilhantismo, ter feito o seu melhor para esconder a verdade.

Versículo 18: “Logo, pois, compadece-se de quem quer, e endurece a quem quer”. Esta afirmação da soberania de Deus no “endurecimento” dos corações dos pecadores — em distinção ao endurecimento judicial — não é a única. Observe a linguagem de João 12:37-40: “E, ainda que tinha feito tantos sinais diante deles, não criam nele; Para que se cumprisse a palavra do profeta Isaías, que diz: SENHOR, quem creu na nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do Senhor? Por isso não podiam crer (Por que?), então Isaías disse outra vez: Ele c egou os seus olhos, e endureceu os seus corações (Por que? Por que eles tinham rejeitado crer em Cristo? Esta é a crença popular, mas observe a resposta da Escritura), a fim de que não vejam com os olhos, e compreendam no coração, E se convertam, E eu os cure”. Ora, leitor, é simplesmente uma questão de que se vamos ou não crer no que Deus revelou em Sua Palavra. Não é uma questão de prolongada pesquisa ou profundo estudo, mas o que é necessário é um espírito de criança, para entender esta doutrina .

Versículo 19: “Dir-me-ás então: Por que se queixa ele ainda? Porquanto, quem tem resistido à sua vontade?”. Não é a mesma objeção que é urgida hoje? A força das questões do apóstolo aqui parece ser esta: Visto que tudo depende da vontade de Deus, que é irreversível, e visto que esta vontade de Deus, de acordo com a qual Ele pode fazer tudo como soberano — visto que Ele pode ter misericórdia de quem Ele quiser ter misericórdia, e pode recusar misericórdia e infligir punição sobre quem Ele escolher assim fazer — por que Ele não deseja ter misericórdia de todos, fazendo-lhes assim obedientes, e dessa forma, colocando um fim em toda queixa? Agora deverá ser particularmente observado que o apóstolo não rejeita a base sobre a qual a objeção descansa. Ele não diz que Deus não encontra do que se queixar. Nem diz: Os homens podem resistir Sua vontade. Além do mais, ele não explica a objeção dizendo: Vocês não entenderam meu significado quando disse “Ele trata com misericórdia a quem quer, e trata com severidade a quem quer“. Mas ele diz, “primeiro, esta é uma objeção que vocês não têm nenhum direito de fazer; e então, está é uma objeção que vocês não têm nenhuma razão para fazer” (vide Dr. Brown). A objeção é absolutamente inadmissível, porque ela está replicando contra Deus. É queixar-se a respeito de, argüir contra, o que Deus fez! 

Versículo 19: “Dir-me-ás então: Por que se queixa ele ainda? Porquanto, quem tem resistido à sua vontade?”. A linguagem que o apóstolo aqui coloca na boca daquele que levanta a objeção é tão clara e demonstrativa que um mal-entendimento deve ser impossível. Porque Ele se queixa ainda? Agora, leitor, o que estas palavras podem significar? Formule a sua própria resposta antes de considerar a nossa. Pode a força da questão do apóstolo ser outra além desta: Se é verdade que Deus tem “misericórdia” de quem Ele quer, e também “endurece” a quem Ele quer, então, no que se torna a responsabilidade humana? Neste caso, os homens não são nada mais do que fantoches, e se isto é verdade, então, seria injusto da parte de Deus “se queixar ainda” com as Suas criaturas desvalidas. Observe a palavra “então” — Dir-me-ás então — ela declara a (falsa) inferência ou conclusão que a pessoa (que levanta a objeção) traça a partir do que o apóstolo está dizendo. E observe, meu leitor, o apóstolo prontamente viu que a doutrina que ele tinha formulado deveria levantar esta mesma objeção, e se o que temos escrito através deste livro não provocar, em alguns pelo menos, (todos cujas mentes carnais não estão subjugadas pela divina graça) a mesma objeção, então deve ser ou porque não apresentamos a doutrina que é apresentada em Romanos 9, ou porque a natureza humana mudou desde os dias do apóstolo. Considere agora o restante do verso (19). O apóstolo repete a mesma objeção de uma forma levemente diferente — repete para que seu significado não possa ser mal-entendido — a saber, “Porquanto, quem tem resistido à sua vontade?”. É claro, então, que o assunto sob imediata discussão se relaciona com a “vontade” de Deus, isto é, Seus soberanos caminhos, que confirma o que dissemos acima sobre os versos 17 e 18, onde contendemos que não é um endurecimento judicial que está em vista (isto é, endurecimento por causa da prévia rejeição da verdade), mas um “endurecimento” soberano, isto é, o “endurecimento” de uma criatura caída e pecaminosa por nenhuma outra razão além daquela que é inerente à soberana vontade de Deus. E, por conseguinte, a questão, “Quem tem resistido à sua vontade?”. O que, então, o apóstolo diz em resposta a estas objeções?

Versículo 20: “Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim?”. O apóstolo, então, não disse que a objeção era sem sentido ou fundamento, mas pelo contrário, repreende a pessoa que levanta a objeção por sua impiedade. Ele o faz lembrar que é meramente um “homem”, uma criatura, e que por isso, é tanto muito inadequado como impertinente para ele “replicar (argüir, ou argumentar) contra Deus”. Além do mais, ele o faz lembrar que ele não é nada mais do que uma “coisa formada”, e portanto, é loucura e blasfêmia levantar-se contra o próprio Criador. Antes de deixarmos este versos, deve-se ser apontado que nas suas palavras finais, “Por que me fizeste assim” nos ajuda a determinar, de maneira inequívoca, o assunto preciso sob discussão. À luz do imediato contexto, qual pode ser o motivo do “assim”? Qual senão, como no caso de Esaú, porque Tu me fizeste um objeto de “ódio”? Qual senão, como no caso de Faraó, porque Tu me fizeste simplesmente para “me endurecer”? Quais outros significados podem, de forma correta , ser atribuídos?

É altamente importante deixar claro diante de nós que o objetivo do apóstolo durante toda esta passagem é tratar com a soberania de Deus no tratamento com, por um lado, aqueles que Ele ama — vasos para honra e vasos de misericórdia, e também, por outro lado, com aqueles que Ele “odeia” ou “endurece” — vasos para desonra e vasos de ira.

Versículos 21-23: “Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra? E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição; p ara que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou”. Nestes versículos o apóstolo fornece uma completa e final resposta às objeções levantadas no verso 19. Primeiro, ele pergunta, “Não tem o oleiro poder sobre o barro?” etc. Deve ser observado que a palavra aqui traduzida por “poder” é diferente no grego daquela também traduzida por “poder” no verso 22, onde só pode significar Sua força ; mas aqui no verso 21, o “poder” do qual se fala deve se referir aos direitos do Criador ou às soberanas prerrogativas; que isto é assim, aparece a partir do fato que a mesma palavra grega é empregada em João 1:12 — “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome” — a qual, como é bem conhecido, significa o direito ou privilégio de se tornar os filhos de Deus. A versão R.V. emprega “direito” tanto em João 1:12 como em 9:21.

Versículo 21: “Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra?”. Que o “oleiro” aqui é o próprio Deus é certo a partir do verso precedente, onde o apóstolo pergunta “Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas?” e então, falando nos termos da figura que estava a ponto de usar, continua, “Porventura a coisa formada dirá ao que a formou” etc. Há alguns que roubam destas palavras a sua força argüindo que embora o oleiro humano faça certos vasos para serem usados para propósitos menos honráveis do que outros, contudo, eles são designados para ocupar alguma posição útil. Mas o apóstolo não diz aqui, ‘Não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para um uso honrável e outro para um uso menos honrável?', mas diz de alguns “vasos” sendo feitos “para desonra”. É verdade, certamente, que a sabedoria de Deus ainda será totalmente vindicada, na medida em que a destruição dos réprobos promoverá a Sua glória — da forma como o próximo verso nos informa.

Antes de passar para o próximo verso, sumarizemos o ensino deste verso e dos dois precedentes. No verso 19 duas questões foram feitas, “Dir-me-ás então: Por que se queixa ele ainda? Porquanto, quem tem resistido à sua vontade?”. A estas questões uma tripla resposta foi devolvida. Primeiro, no verso 20 o apóstolo nega que a criatura tenha o direito de julgar os caminhos do Criador — “Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim?”. O apóstolo insiste que a retidão da vontade de Deus não deve ser questionada. O que quer que Ele faça, deve ser justo. Em segundo lugar, no verso 21 o apóstolo declara que o Criador tem o direito de dispor de Suas criaturas como bem Lhe parece — “Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra?”. Deve ser cuidadosamente notado que a palavra para “poder' arqui é exousia — uma palavra inteiramente diferente daquela traduzida por “poder” no verso seguinte (“dar a conhecer o seu poder”), onde a palavra no grego é dunaton. Nas palavras “não tem o oleiro poder sobre o barro” deve ser o poder de Deus justamente exercido que se está em vista — o exercício dos direitos de Deus consistentemente com Sua justiça, — porque a mera asserção de Sua onipotência não teria sido nenhuma resposta às questões levantadas no verso 19. Em terceiro lugar, nos versos 22 e 23, o apóstolo dá a razão pela qual Deus procede diferentemente de uma para com outra de Suas criaturas: por um lado, é para “mostrar Sua ira” e para “dar a conhecer o Seu poder”; por outro lado, é para que “desse a conhecer as riquezas de Sua glória”.

“Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra?”. Certamente Deus tem o direito de fazer isto porque Ele é o Criador. Ele exerce este direito? Sim, como o verso 13 e 17 claramente nos mostram — “Para isto mesmo te (Faraó) levantei”.

Versículo 22: “E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição”. Aqui, o apóstolo nos diz, em segundo lugar, o porquê Deus atua assim, isto é, diferentemente com pessoas diferentes — tendo misericórdia de alguns e endurecendo outros, fazendo um vaso “para honra” e outra “para desonra”. Observe que aqui no verso 22 o apóstolo primeiro menciona “os vasos de ira”, antes de se referir no verso 23 aos “vasos de misericórdia”. Porque isto? A resposta a esta questão é de importância primária: respondemos, porque são os “vasos de ira” que são os objetos em vista diante da pessoa que objeta no verso 19. Duas razões são dadas pelas quais Deus faz de alguns “vasos para desonra”: primeiro, para “mostrar Sua ira”, e em segundo lugar “para fazer Seu poder conhecido” — ambos dos quais são exemplificados no caso de Faraó.

Um ponto no verso acima requer consideração separada — “Vasos de ira preparados para destruição”. Uma explicação comum que é dada destas palavras é que os vasos de ira se preparam para a destruição, isto é, se preparam em virtude de sua impiedade; e é argüido que não há necessidade de Deus “prepará-los para a destruição”, porque eles já são preparados pela sua própria depravação, e que este deve ser o real significado desta expressão. Pois bem, se por “destruição” entendemos castigo, é perfeitamente verdade que os não-eleitos “se preparam”, porque cada um será julgado “de acordo com suas obras”; e além do mais, nós livremente concordamos que subjetivamente os não-eleitos se preparam para destruição. Mas o ponto a ser decidido é: é a isto que o apóstolo está se referindo aqui? E, sem hesitação, replicamos que não. Volte aos versos 11-13: Esaú se preparou para ser um objeto do ódio de Deus, ou ele já o era antes de nascer? Novamente; Faraó se preparou para destruição, ou Deus endureceu o seu coração antes das pragas serem enviadas ao Egito? — veja Êxodo 4:21!

Romanos 9:22 é claramente uma continuação do pensamento do verso 21, e o verso 21 é parte da réplica do apóstolo às questões levantadas no verso 20: portanto, para seguir corretamente a expressão até o fim, deve ser o próprio Deus que “prepara” para destruição os vasos de ira. Se for perguntado como Deus faz isto, a resposta, necessariamente, é, objetivamente, — Ele prepara os não-eleitos para destruição pelos Seus decretos pré-ordenados. Se for perguntado porque Deus faz isto, a resposta deve ser, para promover a Sua própria glória, isto é, a glória de Sua justiça, poder e ira. “A soma da resposta do apóstolo aqui é, que o grande objetivo de Deus, tanto na eleição como na reprovação dos homens, é aquela que é suprema sobre todas as coisas na criação dos homens, a saber, Sua própria glória” (Robert Haldane).

Versículo 23: “Para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou”. O único ponto neste verso que demanda atenção é o fato de que os “vasos de misericórdia” são aqui ditos ser “dantes preparados para glória”. Muitos têm apontado que o versículo anterior não diz que os vasos de ira foram preparados dantes para destruição, e desta omissão eles concluem que devemos entender a referência ali aos não-eleitos se prepararem no tempo, ao invés de entender Deus ordenando-lhes para destruição desde toda eternidade. Mas esta conclusão não é válida de forma alguma. Precisamos olhar de volta ao verso 21 e observar a figura que é ali empregada. “Barro” é matéria inanimada , corrupta, decomposta e, portanto, uma substância apropriada para representar a humanidade caída. E visto que o apóstolo está contemplando os tratamentos soberanos de Deus com a humanidade em vista da Queda, ele não diz que os vasos de ira foram “dantes” preparados para destruição, pela óbvia e suficiente razão que, não foi até depois da Queda que eles se tornaram (em si mesmos) o que é aqui simbolizado por “barro”. Tudo o que é necessário para se refutar a conclusão errônea referida acima, é apontar que o que é dito dos vasos de ira não é que eles “estão preparados” para destruição (a qual seria o termo que deveria ser usado se a referência a eles fosse que se preparam pela sua própria impiedade), mas que são preparados para destruição que, à luz de todo contexto, significa uma ordenação soberana para destruição pelo Criador. Citamos aqui as palavras de Calvino sobre esta passagem:

“Há vasos preparados para a destruição, ou seja: nomeados e destinados para destruição. Há também vasos de ira, ou seja: feitos e formados com o propósito de serem provas da vingança e desprazer divinos...Ainda que Paulo seja mais explícito nesta segunda cláusula, ao afirmar que é Deus quem prepara os eleitos para glória, quando antes de dizer simplesmente que os réprobos eram vasos preparados para a destruição, não há dúvida de que a preparação de ambos depende do secreto conselho de Deus. Outrossim, Paulo teria dito que os réprobos se entregam ou se lançam na destruição. Agora, contudo, ele insinua que sua porção já lhes foi designada mesmo antes de seu nascimento” (João Calvino, Romanos , Editora Paracletos, páginas 342-344).

Com isto estamos em sincero acordo. Romanos 9:22 não diz que os vasos de ira se preparam, nem diz que eles estão preparados para [NT: no sentido de se preparam no tempo] destruição mas, pelo contrário, que eles foram “preparados para destruição”, e o contexto mostra claramente que é Deus quem assim os “prepara” — objetivamente pelos Seus decretos eternos.

Embora Romanos 9 contenha a mais completa apresentação da doutrina da Reprovação, há ainda outras passagens que se referem a ela, uma ou mais duas das quais observaremos brevemente agora: —

“Pois quê? O que Israel buscava não o alcançou; mas os eleitos o alcançaram, e os outros foram endurecidos” (Romanos 11:7). Aqui temos duas distintas e claramente definidas classes que são postas em total antítese: os “eleitos” e “os outros”; uma “alcançou”, os da outra foram “endurecidos”. Sobre este verso citamos os comentários de John Bunyan de memória imortal: — “Estas são palavras solenes: elas separam homens dentre homens — os eleitos e os outros, os escolhidos e os deixados, os abraçados e os rejeitados. Por ‘outros' aqui deve ser entendido aqueles não-eleitos, porque são postos um em oposição ao outro, e se não são os eleitos, quem são então, senão os réprobos?”.

Escrevendo aos santos em Tessalônica, o apóstolo declarou: “Porque Deus não nos destinou para a ira, mas para a aquisição da salvação, por nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Tessalonicenses 5:9). Ora, certamente é patente para qualquer mente imparcial que esta declaração seria totalmente sem sentido se Deus não tivesse “apontado” alguém para a ira. Dizer que Deus “não nos destinou para a ira”, claramente implica que há alguns que Ele “apontou para ira”, e se as mentes de tantos que professam ser cristão não fossem tão cegas pelo preconceito, elas não poderiam falhar em ver isto claramente isto .

“E uma Pedra de tropeço e Rocha de escândalo, para aqueles que tropeçam na palavra, sendo desobedientes; para o que também foram destinados” (1 Pedro 2:8). O “para o que” manifestadamente aponta para o tropeço na Palavra, e sua desobediência. Aqui, então, Deus expressamente afirma que há alguns que foram “destinados” (está é a mesma palavra grega de 1 Tessalonicenses 5:9) para desobediência. Nossa tarefa não é argumentar sobre isso, mas nos curvar diante das Sagradas Escrituras. Nosso dever primário não é entender, mas crer no que Deus disse.

“Mas estes, como animais irracionais, que seguem a natureza, feitos para serem presos e mortos, blasfemando do que não entendem, perecerão na sua corrupção” (2 Pedro 2:12). Aqui, novamente, todo esforço é feito para escapar do claro ensino desta solene passagem. Nos dizem que são os “animais irracionais” que são “feitos para serem presos e mortos”, e não as pessoas aqui comparadas com eles. Tudo o que é necessário para refutar tal sofisma é inquirir onde reside o ponto de analogia entre os “estes” (homens) e os “animais racionais”? Qual é a força do “como” – senão “estes como animais racionais”? Claramente, é que “estes” homens como animais irracionais, são os que, como animais, são “feitos para serem presos e destruídos”: as palavras finais confirmando isto pela reiteração do mesmo conceito — “perecerão na sua corrupção”.

“Porque se introduziram alguns, que desde tempos antigos foram ordenados para esta condenação, homens ímpios, que convertem em dissolução a graça de Deus, e negam a Deus, único dominador e Senhor nosso, Jesus Cristo” (Judas 4). Tentativas têm sido feitas para escapar da força óbvia deste verso, substituindo-o por uma tradução diferente. A R.V. dá a seguinte tradução: “Mas se introduziram alguns, que já de antemão estavam escritos para esta mesma condenação”. Mas esta alteração não nos livra de forma alguma do que é tão desagradável para as nossas sensibilidades. A questão que se levanta é: Onde estes homens foram “já de antemão escritos”? Certamente não foi no Velho Testamento, porque em nenhuma parte há qualquer referência ali a homens ímpios se introduzindo em assembléias Cristãs. Se “escritos” for a melhor tradução de “prographo”, a referência pode somente ser ao livro dos decretos Divinos. Assim, seja qual for a alternativa selecionada, não pode haver evasão do fato de que certos homens foram “desde tempos antigos” marcados por Deus “para condenação”.

“E adoraram-na (a saber, o Anticristo) todos os que habitam sobre a terra, esses cujos nomes não estão escritos no Livro da Vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo” (Apocalipse 13:8, compare com Apocalipse 17:8). Aqui, então, está uma declaração positiva afirmando que há aqueles cujos nomes não estão escritos no Livro da Vida . Por causa disto, eles prestarão serviço ao Anticristo e se curvarão diante dele.

Aqui, então, há não menos do que dez passagens que mui claramente implicam ou expressamente ensinam o fato da reprovação. Elas afirmam que os ímpios foram feitos para o Dia do Mal; que Deus forma alguns vasos para desonra; e por Sue decreto eterno (objetivamente) prepara-os para destruição; que eles são como animais irracionais, feitos para serem presos e mortos, sendo desde os tempos antigos ordenados para esta condenação. Portanto, em face destas passagens da Escritura, afirmamos sem hesitação (após aproximadamente vinte anos de cuidadoso estudo e muita oração sobre o assunto) que a Palavra de Deus inquestionavelmente ensina tanto a Predestinação como a Reprovação, ou para usar as palavras de Calvino: “Eleição Eterna é a predestinação de Deus de alguns para salvação, e outros para destruição”.

Tendo, portanto, declarado a doutrina da Reprovação, como esta é apresentada nas Sagradas Escrituras, mencionemos agora uma ou duas importantes considerações para nos guardar contra o abuso e prevenir o leitor de fazer quaisquer deduções não permitidas: —

Primeiro, a doutrina da Reprovação não significa que Deus propôs tomar criaturas inocentes, fazê-las ímpias, e então condená-las. A Escritura diz: “Eis aqui, o que tão-somente achei: que Deus fez ao homem reto, porém eles buscaram muitas invenções” (Eclesiastes 7:29). Deus não criou criaturas pecaminosas para então destruí-las, porque Deus não pode ser culpado do pecado de Suas criaturas. A responsabilidade e a criminalidade são do homem.

O decreto de Reprovação de Deus contemplou a raça de Adão como uma raça caída, pecaminosa, corrupta e culpada. Desta, Deus propôs salvar alguns como monumentos de Sua graça soberana; os outros Ele determinou destruir como a exemplificação de Sua justiça e severidade. Ao determinar destruir estes outros, Deus não lhes fez nenhuma injustiça. Eles já estavam caídos em Adão, o representante legal deles; eles, portanto, nascem com uma natureza pecaminosa, e nem seus pecados Ele lhes deixa. Ninguém pode se queixar. Isto é o que eles desejam; eles não têm desejo por santidade; eles amam mais as trevas do que a luz. Onde, então, há injustiça se Deus “lhes entrega aos desejos dos seus corações” (Salmos 81:12)?

Segundo, a doutrina da Reprovação não significa que Deus recusa salvar aqueles que ardentemente buscam a salvação. O fato é que o réprobo não tem nenhum desejo pelo Salvador : eles não vêem nEle nenhuma beleza para que O desejem. Eles não vêem a Cristo – porque, então, Deus deveria forçá-los a vir? Ele não lança fora ninguém que venha — onde, então, há injustiça de Deus por pré-determinar a justa condenação deles? Ninguém será punido, senão pelas suas iniqüidades; onde, então, está a suposta tirânica crueldade do procedimento Divino? Lembre-se que Deus é o Criador do ímpio, não de sua impiedade; Ele é o Autor de sua existência, mas não Aquele que infunde o seu pecado.

Deus não compele (como muitos, através de calúnias, dizem que afirmamos) o ímpio para pecar, como o cavaleiro esporea o cavalo indisposto. Deus somente diz, em efeito, esta terrível palavra: “Deixai-os” (Mateus 15:14). Ele necessita somente abrandar as rédeas da restrição providencial, e reter a influência da graça salvadora, e o homem apóstata prestíssimo em seu afã, com toda certeza, de seu próprio consentimento, cairá por suas iniqüidades. Portanto, o decreto da reprovação nem interfere com a propensão da própria natureza caída do homem, nem serve para torná-lo menos inescusável.

Em terceiro lugar, o decreto da Reprovação de modo algum conflita com a bondade de Deus. Embora os não-eleitos não sejam os objetos de Sua bondade do mesmo modo ou na mesma extensão como os eleitos o são, todavia, eles não estão completamente excluídos de uma participação dela. Eles desfrutam das boas coisas da Providência (bênçãos temporais) em comum com os próprios filhos de Deus, e mui freqüentemente num grau mais alto. Mas como eles as aproveitam? A bondade (temporal) de Deus lhes leva ao arrependimento? Não, pelo contrário, eles “desprezam as riquezas da Sua benignidade, e paciência e longanimidade, e segundo a tua dureza e teu coração impenitente, entesouras ira para ti no dia da ira e da manifestação do juízo de Deus” (Romanos 2:4,5). Com que justiça, então, podem murmurar contra o não serem os objetos de Sua benevolência nas eras vindouras da eternidade? Além do mais, se não se pode contender com a misericórdia e a bondade de Deus em deixar a totalidade dos anjos caídos (2 Pedro 2:4) debaixo da culpa de sua apostasia; muito menos se pode contender com as perfeições Divinas ao deixar alguns da humanidade caída em seus pecados e condená-los por isso.

Finalmente, interpomos esta necessária precaução: é absolutamente impossível para qualquer um de nós, durante a presente vida, assegurar quem estão entre os réprobos. Não devemos julgar assim, agora, nenhum homem, não importa quão ímpio ele possa ser. O mais vil pecador pode estar incluído na eleição da graça e ser um dia vivificado pelo Espírito da graça. Nossa comissão é clara, e ai de nós se formos indiferentes para com ela — “Pregai o Evangelho a toda criatura”. Quando temos feito assim, estamos limpos do sangue deles. Se os homens recusam ouvir, o sangue deles está sobre as suas próprias cabeças; todavia “para Deus somos o bom perfume de Cristo, nos que se salvam e nos que se perdem. Para estes certamente cheiro de morte para morte; mas para aqueles cheiro de vida para vida. E para estas coisas quem é idôneo?” (2 Coríntios 2:15,16).

Devemos agora considerar algumas passagens que são freqüentemente citadas com o propósito de mostrar que Deus não tem preparado certos vasos para destruição ou ordenado certas pessoas para condenação. Primeiro, citemos Ezequiel 18:31 — “Pois, por que razão morreríeis, ó casa de Israel?” Sobre esta passagem não podemos fazer melhor do que citar o seguinte dos comentários de Augustus Toplady: — “Esta é uma passagem mui freqüentemente, mas muito erroneamente, insistida pelos Arminianos, como se ela fosse um martelo com o qual com um só golpe pudesse esmagar ao pó toda a estrutura da doutrina. Mas acontece que a “morte” aqui aludida não é nem espiritual, nem morte eterna: como é abundantemente evidente a partir de todo o teor do capítulo. A morte da qual o profeta fala é uma morte política; uma morte da prosperidade nacional, da tranqüilidade e segurança. O sentido da questão é precisamente este: O que é que te faz amar o cativeiro, a banição e a ruína civil? Abstinência da adoração de imagens pode, como um povo, eximir vocês destas calamidades, e uma vez mais fazer de vocês uma nação respeitável. São as misérias da devastação pública tão sedutoras para atrair a perseguição determinada de vocês? Porque morreríeis? morreríeis como a casa de Israel, e considerada como um corpo político? Assim o profeta argüia o caso, ao mesmo tempo adicionando — “Porque não tenho prazer na morte do que morre, diz o Senhor DEUS; convertei-vos, pois, e vivei” Isto importa: Primeiro, o cativeiro nacional dos Judeus não adicionaria nada à felicidade de Deus. Segundo, se os Judeus se voltassem da idolatria, e jogassem as suas imagens, eles não morreriam num país estrangeiro, hostil, mas viveriam tranqüilamente em sua própria terra e desfrutariam suas liberdades como um povo “independente”. Ao exposto acima, podemos adicionar: morte política deve ser o que está em vista em Ezequiel 18:31,32 pela simples, mas suficiente razão de que eles já estavam mortos espiritualmente!

Mateus 25:41 é freqüentemente citado para mostrar que Deus não preparou certos vasos para destruição — “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos”. Este é, na realidade, um dos versículos principais usados para refutar a doutrina da Reprovação. Mas sugerimos que a palavra enfática aqui não é “para”, mas “diabo”. Este verso (veja o contexto) apresenta a severidade do julgamento que espera os perdidos. Em outras palavras, a passagem da Escritura citada acima expressa mais o terror do fogo eterno do que os objetos dele –se o fogo foi “preparado para o diabo e seus anjos”, então, quão intolerável deve ser! Se o lugar do tormento eterno para o qual os condenados serão lançados é o mesmo no qual o arquiinimigo de Deus sofrerá, quão terrível deve ser aquele lugar!

Novamente: se Deus escolheu certas pessoas para salvação, porque somos informados que “ordena agora a todos os homens, e em todo o lugar, que se arrependam” (Atos 17:30)? Que Deus ordena a “todos os homens” que se arrependam é apenas o exercício de Suas justas reivindicações como o Governador moral do mundo. Como poderia fazer menos, visto que todos os homens em todo o lugar têm pecado contra Ele? Além do mais; que Deus ordena a todos os homens em todo o lugar que se arrependam argüiu a universalidade da responsabilidade da criatura. Mas esta passagem da Escritura não declara que é o desejo de Deus “dar o arrependimento” (Atos 5:31) a todos os homens em todo o lugar. Que o apóstolo Paulo não cria que Deus dava o arrependimento a toda alma é claro a partir de suas palavras em 2 Timóteo 2:25 – “Instruindo com mansidão os que resistem, a ver se porventura Deus lhes dará arrependimento para conhecerem a verdade”.

Novamente, nos perguntam: se Deus “ordenou” somente certas pessoas para a vida eterna, então, porque lemos que Ele “quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade” (1 Timóteo 2:4)? A resposta é que a palavra “todos” e “todos os homens”, como o termo “mundo”, são freqüentemente usadas num sentido geral e relativo. Que o leitor examine cuidadosamente as seguintes passagens: Marcos 1:5; João 6:45; 8:2; Atos 21:28; 22:15; 2 Coríntios 3:2 etc., e encontrará uma prova completa de nossa asserção. 1 Timóteo 2:4 não pode ensinar que Deus quer a salvação de toda a humanidade, ou de outra forma toda a humanidade seria salva – “O que a sua alma quiser, isso fará” (Jó 23:13)!

Novamente; nos perguntam: A Escritura não declara, repetidamente, que Deus não faz “acepção de pessoas”? Respondemos: certamente que sim, e a graça eletiva de Deus prova isto. Os sete filhos de Jessé, embora mais velhos e fisicamente superiores a Davi, são deixados de lado, enquanto o jovem pastor de ovelhas é exaltado ao trono de Israel. Os escribas e mestres da lei passam despercebidos, e pescadores ignorantes são escolhidos para serem os apóstolos do Cordeiro. A verdade divina é ocultada dos sábios e entendidos, e é revelada aos pequeninos. A grande maioria dos sábios e nobres é ignorada, enquanto os fracos, humildes e desprezados são chamados e salvos (ver 1 Coríntios 1:26). Meretrizes e publicanos são docemente compelidos a vir para o banquete do evangelho, enquanto os fariseus autojustificados são deixados a perecer em sua própria moralidade imaculada. Verdadeiramente Deus “não faz acepção” de pessoas senão, não teria me salvado.

Que a Doutrina da Reprovação é uma “palavra dura” para a mente carnal é realmente reconhecido – todavia, é “mais dura” do que o castigo eterno ? Que a doutrina é claramente ensinada na Escritura temos procurado demonstrar, e não é para nós o escolher dentre as verdades reveladas na Palavra de Deus. Que aqueles que estão inclinados para receber aquelas doutrinas que estão de acordo com o seu próprio julgamento, e que rejeitam o que eles não podem entender completamente , lembrem-se daquelas pungentes palavras de nosso Senhor: “Ó néscios, e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram!” (Lucas 24:25): néscios por serem tardos de coração; tardos de coração, não tolos de cabeça!

Uma vez mais beneficiemo-nos com a linguagem de Calvino: “Sendo assim, pois, que até agora não tenho feito mais do que citar os testemunhos perfeitamente claros e evidentes da Escritura, considerem bem os que replicam e murmuram contra eles, que classe de censura usam. Pois se, simulando ser incapazes de compreender mistérios tão atos, apetecem serem louvados como homens modestos, que se pode imaginar de mais arrogante e soberbo do que se opor à autoridade de Deus com estas pobres palavras: ‘Parece-me ser de outra forma', ou ‘Não quero me intrometer neste assunto'? Porém, se preferem mostrar-se claramente como inimigos, de que lhes pode aproveitar as suas débeis tentativas contra o céu? Este exemplo de vergonha não é coisa nova, pois em todas as épocas têm havido homens ímpios e mundanos que, como cobras venenosas, têm se oposto a esta doutrina . Mas por experiência se darão conta de que é verdade o que o Espírito Santo pronunciou pela boca de Davi, que ‘Deus é claro quando Ele julga' (Salmos 51:4). Com estas palavras Davi indiretamente diz que na loucura dos homens se mostra excessiva presunção no meio de sua insignificância, não somente por disputar contra Deus, mas também por se arrogarem na autoridade de condená-Lo. Entretanto, ele brevemente sugere que Deus não é afetado por nenhuma de todas as blasfêmias que descarregam contra o céu, mas que Ele dissipa as névoas de calúnia, e ilustrativamente mostra Sua justiça; nossa fé também, estando fundamentada na Palavra Divina, e portanto, superior a todo o mundo, de sua exaltação olha para baixo com desdém para com aquelas névoas” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã ).

Ao terminar este capítulo, propomos citar dos escritos de alguns dos grandes teólogos desde os dias da Reforma; não porque devamos apoiar as nossas próprias declarações por um apelo à autoridade humana, seja venerável ou anciã, mas para mostrar que o que temos promovido nestas páginas não é novidade do século vinte, nem heresias dos “últimos dias” mas, ao invés disso, uma doutrina que tem sido definitivamente formulada e comumente ensinada por muitos dos mais piedosos e eruditos estudiosos das Sagradas Escrituras.

“Nós chamamos o decreto de Deus de predestinação, pela qual Ele determinou em Si mesmo, o que haveria de acontecer com cada indivíduo da humanidade. Porque nem todos foram criados com um destino similar: mas a vida eterna foi pré-ordenada para alguns, e a condenação eterna para outros. Todo homem, portanto, sendo criado para um ou outro desses fins, dizemos, foi predestinado ou para vida ou para morte” – das “Institutas” de João Calvino (1536 DC) Livro III, Capítulo XXI intitulado “Eleição Eterna, ou Predestinação de Deus de Alguns para Salvação e de Outros para Destruição”.

Pedimos aos nossos leitores que considerem bem a linguagem acima. Uma leitura compenetrada mostrará que o que o presente escritor tem promovido neste capítulo não é o “Hiper-Calvinismo”, mas o Calvinismo real, puro e simples. Nosso propósito ao fazer esta observação é mostrar para aqueles que, não conhecendo os escritos de Calvino, em sua ignorância condenam como ultra-Calvinismo o que é simplesmente uma reiteração do que o próprio Calvino ensinou – uma reiteração porque este príncipe dos teólogos, assim como o seu humilde devedor, encontrou esta doutrina na própria Palavra de Deus.

Martinho Lutero em sua mais excelente obra “De Servo Arbítrio” (Livre-Arbítrio, um Escravo), escreveu: “Todas as coisas, sejam quais forem, surgem e dependem dos Divinos apontamentos; pelos quais foram pré-ordenadas quem deveria receber a Palavra da Vida, e quem deveria não acreditar nela, quem deveria ser liberto dos seus pecados, e quem deveriam se endurecer neles, quem deveria ser justificado e quem deveria ser condenado. Esta é a própria verdade que demole o livre-arbítrio a partir de seus fundamentos, a saber, que o amor eterno de Deus por alguns homens e o Seu ódio por outros são imutáveis e não podem ser revertidos”.

John Fox, cujo Livro dos Mártires foi uma das obras mais conhecidas no idioma inglês (ah! Isto não é mais assim hoje, quando o Catolicismo Romano tem crescido como uma grande onda destrutiva!), escreveu: — “A predestinação é o eterno decreto de Deus, proposto diante de Si mesmo, que deve suceder a todos os homens, seja para salvação, ou para condenação”.

O “Catecismo Maior de Westminster” (1688) — adotado pela Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana — declara: “Deus, por um decreto eterno e imutável, unicamente do Seu amor e para o louvor de Sua gloriosa graça, que tinha de ser manifestada em tempo devido, elegeu alguns anjos para a glória, e, em Cristo, escolheu alguns homens para a vida eterna e os meios para consegui-la; e também, segundo o Seu soberano poder e o conselho inescrutável de Sua própria vontade (pela qual Ele concede, ou não, os Seus favores conforme Lhe apraz), deixou e pré-ordenou os demais à desonra e à ira, que lhes serão infligidas por causa de seus pecados, para o louvor da glória de Sua justiça”.

John Bunyan, autor de “O Progresso do Peregrino”, escreve um volume inteiro sobre “Reprovação”. Dele fazemos um breve extrato: “A reprovação é antes de uma pessoa vir ao mundo, ou de fazer o bem ou mal. Isto é evidenciado por Romanos 9:11. Aqui você encontra dois gêmeos no ventre de sua mãe, e ambos recebendo o seu destino, não somente antes de fazer o bem ou mal, mas antes de estarem em capacidade de fazê-lo, eles não tinham nascido ainda — o destino deles, digo, um para a benção vida eterna, o outro não; um eleito, o outro réprobo; um escolhido, o outro rejeitado”. Em seu livro “Suspiros do Inferno” (Sighs From Hell), John Bunyan também escreveu: “Aqueles que continuam rejeitando e menosprezando a Palavra de Deus são os que, em sua grande maioria, foram ordenados para a condenação” .

Comentando sobre Romanos 9:22, “E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição”, Jonathan Edwards (Volume 4, página 306—1743 DC) diz: “Quão terrível a majestade de Deus aparece no terror de Sua ira! Devemos aprender que este é o único propósito da condenação dos ímpios!”.

Augustus Toplady, autor do hino “Rock of Ages” e outros hinos sublimes, escreveu: “Deus, desde toda eternidade, decretou deixar alguns da posteridade caída de Adão em seus pecados, e lhes excluir da participação de Cristo e Seus benefícios”. E novamente; “Nós, com as Escrituras, declaramos que há uma predestinação de algumas pessoas em particular para vida, para o louvor da glória da Divina graça; e também uma predestinação de outras pessoas particulares para a morte, para a glória da justiça Divina — cuja morte de castigo eles inevitavelmente experimentarão, e isto justamente, por causa de seus pecados”.

George Whitefield, aquele titã do século XVIII, usado por Deus para abençoar milhares, escreveu: “Sem dúvida, a doutrina da eleição e reprovação devem permanecer ou cair juntas....eu francamente reconheço que creio na doutrina da Reprovação, que Deus intentou dar a graça salvadora, através de Jesus Cristo, somente a um certo número de pessoas; e que o resto da humanidade, depois da queda de Adão, sendo justamente deixados por Deus para continuar no pecado, no final sofrerão aquela morte eterna que é o seu justo salário”.

“Preparados para destruição” (Rom. 9:22). Depois de declarar que esta frase admite duas interpretações, o Dr. Hodge — talvez o mais bem conhecido e o comentarista de Romanos mais amplamente lido — diz, “A outra interpretação assume que a referência é a Deus e que a palavra grega para ‘preparados' tem a força do particípio completo; preparados (por Deus) para destruição”. Isto, diz o Dr. Hodge, “é aceito não somente pela maioria dos Agostinianos, mas também por muitos Luteranos”.

Se fosse necessário, estamos preparados para dar citações dos escritos de Wycliffe, Huss, Ridley, Hooper, Cranmer, Ussher, John Trapp, Thomas Goodwin, Thomas Manton (Capelão de Cromwell), John Owen, Witsius, John Gill (predecessor de Spurgeon), e um exército de outros. Mencionamos isto simplesmente para mostrar que a maioria dos eminentes santos do passado, os homens que foram mais amplamente usados por Deus, sustentaram e ensinaram esta doutrina que é tão amargamente odiada nestes últimos dias, quando os homens não mais “suportam a sã doutrina”; odiada por homens de vãs pretensões, mas que, não obstante sua ortodoxia orgulhosa e tão aplaudida piedade, não são nem sequer dignos de desatar as sandálias daqueles fiéis e destemidos servos de Deus de outrora.

“Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Porque, quem compreendeu a mente do Senhor? ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém (Romanos 11:33-36). [1]