Como Vai Ser 2012?
Quando
olho o atual cenário da igreja evangélica brasileira – estou usando o
termo “evangélica” de maneira ampla – confesso que me sinto incapaz de
prever o que vem pela frente. Há muitas e diferentes forças em operação
em nosso meio hoje, boa parte delas conflitantes e opostas. Olho para
frente e não consigo perceber um padrão, uma indicação que seja, do
futuro da igreja.
Há, em primeiro lugar, o crescimento das
seitas neopentecostais. Embora estatísticas recentes tenham apontado
para uma queda na membresia de seitas como a Universal do Reino do Deus,
outras estão surgindo no lugar, como na lenda grega da Hidra de Lerna,
monstro de sete cabeças que se regeneravam quando cortadas. A enorme
quantidade de adeptos destes movimentos que pregam prosperidade, cura,
libertação e solução imediata para os problemas pessoais acaba moldando a
imagem pública dos evangélicos e a percepção que o restante do Brasil
tem de nós. Na África do Sul conheci uma seita que mistura pontos da fé
cristã com pontos das religiões africanas, um sincretismo que acaba por
tornar irreconhecível qualquer traço de cristianismo restante. Temo que a
continuar o crescimento das seitas neopentecostais e seus desvios cada
vez maiores do cristianismo histórico, poderemos ter uma nova religião
sincrética no Brasil, uma seita que mistura traços de cristianismo com
elementos de religiões afro-brasileiras, teologia da prosperidade e
batalha espiritual em pouquíssimo tempo.
Depois há o movimento “gospel”, que
recentemente mostrou sua popularidade ao ter o festival “Promessas”
veiculado pela emissora de maior audiência do país. Não me preocupa
tanto o fato de que a Rede Globo exibiu o show, mas a mensagem que foi
passada ali. A teologia gospel confunde “adoração” com pregação, exalta o
louvor como o principal elemento do culto público, anuncia um evangelho
que não chama pecadores e crentes ao arrependimento e mudança de vida,
que promete vitórias mediante o louvor e a declaração de frases de
efeito e que ignora boa parte do que a Bíblia ensina sobre humildade,
modéstia, sobriedade e separação do mundo. Para muitos jovens, os shows
gospel viraram a única forma de culto que conhecem, com pouca Bíblia e
quase nenhum discipulado. O impacto negativo da superficialidade deste
movimento se fará sentir nesta próxima geração, especialmente na
incapacidade de impedir a entrada de falsos ensinamentos e doutrinas
erradas.
Em Brasília, temos os deputados e senadores
evangélicos que, gostemos ou não, têm conseguido retardar e mesmo
impedir as tentativas de grupos ativistas LGTB de impor leis como o
famigerado PL 122. O lado preocupante é que eles “representam” os
evangélicos nestes assuntos e acabam, por associação, nos representando
de maneira generalizada diante do grande público e da grande mídia. Por
um lado, lamento que foram líderes de seitas neopentecostais e pastores
de teologia e práticas duvidosas, em sua maioria, que conseguiram
alcançar uma posição de destaque a ponto de serem ouvidos em Brasília.
Esta é uma posição que deveria ter sido ocupada pelos reformados, como
aconteceu em outros países. Mas, falhamos. E a bem da justiça, não posso
deixar de reconhecer que Deus usa quem Ele quer para refrear, ainda que
por algum tempo, a rápida deterioração da nossa sociedade. O que isto
representará no futuro, é incerto.
Notemos ainda o rápido crescimento do
calvinismo, não nas igrejas históricas, mas fora delas, no meio
pentecostal. Não são poucos os pentecostais que têm descoberto a
teologia reformada – particularmente as doutrinas da graça, os cinco
slogans (“solas”) e os chamados cinco pontos do calvinismo. Boa parte
destes tem tentado preservar algumas idéias e práticas características
do pentecostalismo, como a contemporaneidade dos dons de línguas,
profecia e milagres e um culto mais informal, além de uma escatologia
dispensacionalista. Outros têm entendido – corretamente – que a teologia
reformada inevitavelmente cobra pedágio também nestas áreas e já
passaram para a reforma completa. Mas o tipo de movimento, igrejas ou
denominações resultantes desta surpreendente integração ainda não é
previsível. O que existe de mais próximo é o movimento neocalvinista,
mas este é por demais vinculado à cultura americana para ser reproduzido
com sucesso aqui, sem adaptações. Estou curioso para ver o que vai dar
este cruzamento de soteriologia calvinista com pneumatologia
pentecostal.
O impacto das mídias sociais também não
pode ser ignorado. E há também o número crescente de desigrejados, que
aumenta na mesma proporção da apropriação das mídias sociais pelos
evangélicos. Com a possibilidade de se ouvir sermões, fazer estudos e
cursos de teologia online, além de bate-papo e discipulado pela
internet, aumenta o número de pessoas que se dizem evangélicas mas que
não se congregam em uma igreja local. São cristãos virtuais que
“freqüentam” igrejas virtuais e têm comunhão virtual com pessoas que
nunca realmente chegam a conhecer. Admito o benefício da tecnologia em
favor do Reino. Eu mesmo sou professor há quinze anos de um curso de
teologia online e sei a benção que pode ser. Mas, não há substituto para
a igreja local, para a comunhão real
com os santos, para a celebração da Ceia e do batismo, para a oração
conjunta, para a leitura em uníssono das Escrituras e para a recitação
em conjunto da oração do Pai Nosso, dos Dez Mandamentos. Isto não dá
para fazer pela internet. Uma igreja virtual composta de desigrejados
não será forte o suficiente em tempos de perseguição.
Eu poderia ainda mencionar a influência do
liberalismo teológico, que tem aberto picadas nas igrejas históricas e
pentecostais e a falta de maior rapidez e eficiência das igrejas
históricas em retomar o crescimento numérico, aproveitando o momento
extremamente oportuno no país. Afinal, o cristianismo tem experimentado
um crescimento fenomenal no chamado Sul Global, do qual o Brasil faz
parte.
Algumas coisas me ocorrem diante deste quadro, quando tento organizar minha cabeça e entender o que se passa.
1 – Historicamente, as igrejas cristãs em
todos os lugares aqui neste mundo atravessaram períodos de grande
confusão, aridez e decadência espiritual. Depois, ergueram-se e
experimentaram períodos de grande efervescência e eficácia espiritual,
chegando a mudar países. Pode ser que estejamos a caminho do fundo do
poço, mas não perderemos a esperança. A promessa de Jesus quanto à Sua
Igreja (Mateus 16:18) e a história dos avivamentos espirituais nos dão
confiança.
2 – Apesar de toda a mistura de erro e
verdade que testemunhamos na sincretização cada vez maior das igrejas, é
inegável que Deus tem agido salvadoramente e não são poucos os que têm
sido chamados das trevas para a luz, regenerados e justificados mediante
a fé em Cristo Jesus, apesar
das ênfases erradas, das distorções doutrinárias e da negligência das
grandes doutrinas da graça. Ainda assim, parece que o Espírito Santo se
compraz em usar o mínimo de verdade que encontra, mesmo em igrejas com
pouca luz, na salvação dos eleitos. Não digo isto para justificar o
erro. É apenas uma constatação da misericórdia de Deus e da nossa
corrupção. Se a salvação fosse pela precisão doutrinária em todos os
pontos da teologia cristã, nenhum de nós seria salvo.
3 – Deus sempre
surpreende o Seu povo. É totalmente impossível antecipar as guinadas na
história da Igreja. Muito menos, fazer com que aconteçam. Há fatores em
operação que estão muito acima dos poderes humanos. Resta-nos ser fiéis à
Palavra de Deus, pregar o Evangelho completo – expositivamente, de
preferência – viver uma vida reta e santa, usar de todos os recursos
lícitos para propagar o Reino e plantar igrejas bíblicas e orar para que
nosso Deus em 2012 seja misericordioso com os seus eleitos, com a Sua
igreja, com aqueles que Ele predestinou antes da fundação do mundo e
soberanamente chamou pela Sua graça, pela pregação do Evangelho.
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