quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Entrevista exclusiva com o téologo J. I. Packer

Um dos 25 evangélicos mais influentes nos EUA combate o ecumenismo e o pluralismo religioso


Entrevista exclusiva com o téologo J. I. Packer
Por Silas Daniel
James Iaann Packer foi considerado pela revista norte-americana Times, em edição de janeiro de 2005, um dos 25 evangélicos mais influentes nos Estados Unidos. Packer é notadamente um dos maiores teólogos da atualidade. Ele é autor do best seller teológico "O Conhecimento de Deus" e da obra "O Plano de Deus para você", um dos grandes lançamentos da CPAD em 2005.

Packer nasceu em Gloucestershire, Inglaterra, em 1926, e estudou na Universidade de Oxford, onde formou-se em Teologia em 1952 e doutorou-se em Filosofia em 1954. Em 1952, foi ordenado ministro, servindo como ministro-assistente da Igreja de Saint John, na Inglaterra, em Harborne, Birmingham, até que em 1954 foi convidado para ser professor sênior do Tyndale Hall, um seminário anglicano em Bristol, onde lecionou de 1955 a 1961. De 1961 a 1970, foi diretor do Latimer House, um centro anglicano de estudos evangélicos em Oxford. Em 1970, retornou a Bristol para ser reitor do Tyndale Hall. Quando este fundiu-se em janeiro de 1972 com dois outros seminários evangélicos para se tornar o Trinity College, Packer assumiu a função de reitor associado da nova instituição.

Em 1979, tornou-se professor de Teologia Histórica e Sistemática do Regent College, em Vancouver, Canadá. Desde 1996, é presidente da mesa de professores de Teologia do Regent College. Casado e pai de três filhos, ele tem pregado e conferenciado em toda Grã Bretanha e América do Norte, e é um articulista freqüente em periódicos teológicos. É ainda editor-executivo da mais famosa revista evangélica do mundo, a Christianity Today, e foi editor-chefe da versão English Standard da Bíblia, publicada em 2001.

Mesmo em meio a muitas atividades, professor Packer cedeu-nos esta entrevista, abordando o ecumenismo, a Teologia da Prosperidade, o ensino do “esvaziamento” de Cristo e a heresia de que o inferno não existe.

O senhor escreveu um livro sobre o plano de Deus para o homem, publicado no Brasil pela CPAD. Qual é o propósito e a mensagem desta obra?
O livro foi publicado em inglês em 2001 e é uma espécie de suplemento para meu mais conhecido livro, O Conhecimento de Deus. Seus capítulos cobrem alguns aspectos do relacionamento com Deus, como alegria, autoconhecimento, santidade, transformação conforme a imagem de Cristo, comportamento diante da má saúde e das más situações, e como ganhar sabedoria e enfrentar a morte. Mas o principal alvo é mostrar que a graça de Deus em Cristo é adequada para levar-nos ao enriquecimento espiritual e a vitórias em todas as situações.
Diversas religiões apresentam sua crença sobre qual é o plano de Deus para a vida das pessoas. Como o senhor sintetiza o plano de Deus para a vida à luz das Sagradas Escrituras?
O compreensível plano de Deus para nós, pecadores salvos através de Cristo, é que aprendamos a glorificá-lo e a alegrar-se Nele, a amá-lo, adorá-lo e servi-lo com todo o nosso coração. Isso requer regeneração, novo nascimento, transformação do caráter através da renúncia à impiedade e a determinados comportamentos, e do desenvolvimento de hábitos cristãos em seu lugar, do Fruto do Espírito em nós, conforme Gálatas 5.22-23. Devemos guerrear espiritualmente contra o mundo, a carne e o Diabo, que procuram obstruir e espoliar a obra de Deus em nós. Precisamos ainda cultivar a companhia de Cristo, e termos cuidado para não o desonrarmos por meio da pobre qualidade do nosso discipulado. São também importantes responder ao ministério íntimo do Espírito Santo quando ele toca nossa consciência para a humildade e a santidade, e tomar cuidado para não ofendê-lo com pensamentos orgulhos, palavras ásperas ou ações vergonhosas; deixar Deus reestruturar nosso desordenado coração, para que possamos dar amor a Ele e aos outros, e mantermo-nos assim todos os dias da nossa vida; e, finalmente, sermos humildes e transparentes no nosso relacionamento com os outros, ativos no trabalho e testemunhas do Senhor em meio a este mundo de escuridão espiritual que nos rodeia. Muito disso pode ser encontrado em meus livros O plano de Deus para você e "Rediscovering Holiness" (Redescobrindo a santidade), que lancei em 1992.
Qual é a principal heresia de nossos dias?
A heresia que ameaça todas as formas de cristianismo hoje é o pluralismo religioso, a idéia de que todas as religiões estão escalando na verdade uma mesma montanha, mas de pontos iniciais diferentes, e reunir-se-ão quando chegarem ao topo, onde Deus, segundo os hereges dizem, é completamente conhecido. O islã tem o propósito de conquistar o mundo, como as missões cristãs um século atrás, e rejeitam o pluralismo. A maior parte das religiões do mundo faz o mesmo, mas alguns pensadores cristãos estão influenciados pelo sonho de todas as religiões do mundo virem a abraçar-se proporcionando alguma forma de complementação do conhecimento de Deus. Essa heresia implica a negação da singularidade de Cristo como Salvador do mundo, o único e suficiente caminho para o singular Deus Pai, que perdoa nossos singulares pecados pelo sangue singular de Cristo derramado no Calvário e recebe-nos singularmente como filhos adotivos em sua família, na qual o Senhor Jesus, nosso singular Mediador e Salvador, é também o singular irmão mais velho. Todos os outros erros modernos são insignificantes se comparados com este.
Além do ecumenismo, a Teologia da Prosperidade ainda é um grande problema?
A Teologia da Prosperidade é o ensinamento de alguns televangelistas e cristãos neopentecostais, e foi popular na América do Norte há vinte anos, mas é raramente escutada hoje por aqui. Não sei se ela ainda tem esse vigor todo na África, Ásia e América do Sul, mas teve alguma repercussão também nesses continentes. Esse ensino repousa sobre os seguintes princípios: 1) Deus é fiel cumpridor de suas promessas, o que é verdade; 2) reivindicar promessas é uma maneira de orar, o que também não deixa de ser verdade; 3) as promessas de prosperidade no Velho Testamento como um sinal do favor divino aplicam-se inalteravelmente no Novo Concerto, o que é mais falso do que verdadeiro, pois ainda que Deus encarregue-se de suprir diariamente o pão durante nossa vida neste mundo até o fim, as promessas de saúde-e-prosperidade para Israel tipificam o enriquecimento espiritual aqui e a plenitude de abundância depois daqui, no Céu; 4) e pedir a Deus brava e audaciosamente em oração, compelindo-o a responder nossas solicitações exatamente nos termos em que nós as fizemos, em vez de preferir que Ele responda-nos fazendo o melhor conforme a nossa necessidade. Isso é falso, pois choca-se com o que nos ensinam textos como 2Coríntios 12.7-10.
Recentemente, alguns teólogos evangélicos liberais começaram a ressuscitar a teoria de que o Inferno não é uma realidade. Até um famoso teólogo evangélico inglês, conhecido no mundo todo pela sua ortodoxia, chegou inicialmente a simpatizar com a teoria. O senhor foi um dos que combateram esse movimento. Quais os perigos dessa heresia?
O Inferno é o estado final de separação do amor de Deus e de todas as coisas boas que ele concede diariamente nesta vida. Ele é tão eterno quanto eterna é a vida; se a última é interminável, então esse é o padrão (Mt 25.46; Rm 2.5-12; Ap 14.9-11, 20.12-15, 21.8). As Escrituras descartam a salvação universal e a aniquilação do mau pela morte ou após o último julgamento. Tudo isso foi muito debatido recentemente e em detalhes em todo o mundo teológico de fala inglesa. O que tenho dito até aqui parece ser a visão geral agora, quando esse debate começou a morrer. Claramente, é improvável que os que não acreditam em um inferno eterno sintam a urgência do evangelismo fortemente como os que crêem nisso.
O senhor escreveu em seu bestseller Conhecimento de Deus sobre o sentido do termo grego kenosis, usado em Filipenses 2.7 e traduzido em algumas versões como “aniquilamento” ou “esvaziamento”. Como o senhor explica kenosis e, conseqüentemente, a doutrina do “esvaziamento” de Cristo em sua encarnação?
Kenosis é uma palavra grega que significa “esvaziamento”. A teoria de kenosis, como é conhecida, é a suposição – e não mais do que isso, porque não há suporte para ela nas Escrituras – de que na disposição de entrar plenamente na experiência humana de limitação, o Filho de Deus entregou, suspendeu e abandonou o exercício dos poderes de onipotência e onisciência que eram seus antes. Isso significa que, durante a vida encarnada de Jesus na Terra, o Pai, o Filho e o Espírito não eram co-iguais. Tal teoria levanta o seguinte dilema: O Filho, depois de glorificado, recuperou esses poderes (neste caso, apoiando a teoria, sua vida hoje glorificada não seria plenamente humana) ou ele não os recuperou (neste caso, a co-igualdade com o Pai e o Espírito nunca serão dele novamente)? Cristãos sensatos julgarão acertadamente que, de um jeito ou de outro, essa teoria se autodestrói. As limitações humanas de conhecimento de Jesus em Marcos 5.30-32 e 13.32, e de energia em Marcos 4.38, devem ser explicadas em dois termos. Primeiro, por causa do desejo do Pai de que o Filho não usasse seus poderes divinos para transcender os limites da experiência humana. A onisciência só se manifestava em ocasiões de conhecimento à distância e do futuro, capacidades concedidas também aos profetas. Vemos isso em passagens como Mateus 17.17 e 21.2, Lucas 18.31-34 e 22.10-13, e João 1.48. E, em segundo lugar, devido à satisfação do Filho em relação ao desejo do Pai nessa matéria, de que, por alguns instantes, não usasse seu poder para prever aquilo que Ele sabia que seu Pai não desejava que previsse. Filipenses 2.6 e 2Coríntios 8.9 afirmam um abandono temporário da nobreza e da glória divinas, mas não dos poderes divinos. Isso está claro no contexto dessas passagens.
O professor norte-americano Norman Geisler escreveu um artigo combatendo o fato de alguns teólogos estarem ensinando que a ressurreição de Cristo foi espiritual. É a doutrina da ressurreição uma das mais atacadas em nossos dias?
Um professor, hoje aposentado, publicou um livro argumentando que quando Jesus deixou a tumba na ressurreição, seu ser físico, sua humanidade, foi transformado em uma forma invisível até que, por um ato da vontade de Jesus, ele fez a si mesmo visível para seus discípulos nas aparições após a ressurreição. Professor Geisler, juntamente com outro colega que lecionou Teologia por anos, alertou que isso poderia implicar que o Senhor ressuscitado não seria mais plenamente humano (o Messias é 100% homem e 100% Deus). Concordo com eles que é natural da humanidade ser fisicamente visível para outros humanos, como o mundo verá a Jesus quando Ele vir novamente, mas não acho que a disputa seja importante. Nenhum dos dois lados negou a ressurreição corpórea do Senhor, mas ambos estão afirmando o mesmo, e isso é o que importa. De qualquer modo, entendemos as particularidades do caso. Por agora, a maioria dos evangélicos na América do Norte esqueceu o debate inteiramente.
Como o senhor vê catástrofes como a do tsunami de dezembro de 2004 na Ásia à luz das Sagradas Escrituras? Os ateístas utilizaram o tsunami da Indonésia para afirmar que Deus não existe. Por que Deus permitiu o tsunami?
Em primeiro lugar, Deus não deve nada às criaturas e certamente nenhuma criatura humana, ainda mais cheia de pecado, está livre de tribulações neste mundo. A presente vida é preparação para a outra, e a vontade de Deus é que pela prática da bondade, santidade e virtude hoje e aqui sejamos ajustados para a felicidade da glória depois daqui. A vinda do pecado e a providência da redenção através de Cristo como seu remédio não alteram essa agenda. Em segundo lugar, Deus fez o mundo com regularidades. As leis da natureza e os processos naturais são estudados pelos cientistas, o que faz com que sejamos capazes de prever as conseqüências de nossas ações e então aprendermos a tomar decisões adultas, inteligentes, virtuosas e responsáveis. A Bíblia reconhece que desastres naturais, tais como terremotos, tempestades na terra e nos mares, tsunamis e erupções vulcânicas, são parte desse pacote, e ela não encontra nenhum problema nesse fato. Em terceiro lugar, a vontade de Deus para todos é que, quando acontecerem desastres, pratiquemos o que fez o bom samaritano (Lc 10.25-37). Não devemos perguntar o irrespondível “por quê?”, mas devemos sinceramente oferecer a nós mesmos para aliviar as necessidades de nossos próximos. Quanto aos ateístas, como eles querem que Deus não exista e que a crença em Deus seja desacreditada, naturalmente apelam para algo que acham que balançará a fé das pessoas em Deus.
Quais são suas principais recomendações para os estudantes da Bíblia?
Leiam a Bíblia regularmente e toda ela pelo menos uma vez por ano. Tenham um esquema de leitura diária da Bíblia com meditação. E quando voltarem-se para a Bíblia, seja para uma leitura mais demorada ou para ler apenas pequenas porções, orem para que o Espírito Santo vos conceda entendimento. Perguntem sempre a si mesmos, em relação a tudo que foi lido: O que isso revela sobre Deus, a vida humana sob Deus e a minha própria vida neste dia? Releiam muitas vezes os quatro Evangelhos, que têm sido chamados os mais preciosos livros do mundo, pois lá vocês podem ver seu Senhor e ter contato direto com as suas palavras. Aprendam a doutrina cristã, que está implícita em todos os lugares das Escrituras, então verão mais claramente o que está nas Escrituras, assim como uma pessoa que conhece arte vê mais em um quadro em uma galeria do que alguém que apenas o admira. E sempre pergunte ao Senhor como o que foi lido se aplica para orientar e reformar a sua vida.

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