A Igreja precisa de teologia?
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Via: [ Eleitos de Deus ]
Por: João Alves dos Santos
Introdução e Conceitos
Introdução e Conceitos
É
comum ouvirmos que “a teologia mata a religião” ou que “a Igreja não
precisa de teologia e, sim, de vida”. Serão verdadeiras essas
afirmações? Admitimos que há muita coisa por aí levando o nome de
“teologia” que não passa de especulação humana, por não se basear em
pressupostos de uma hermenêutica bíblica. E até a “boa teologia”,
quando se torna um fim em si mesma, pode não ter qualquer uso prático e
reduzir-se a mero academicismo. Não é disto que falamos aqui.
Perguntamos se a verdadeira Teologia é necessária à Igreja.
E
o que é verdadeira Teologia? Como o próprio nome indica, Teologia é o
estudo de Deus, ou, definindo mais formalmente, “é a ciência que trata
de Deus em Si mesmo e em relação com a Sua obra” (B.B. Warfield).
Perguntamos, por conseguinte, se a Igreja pode prescindir do
conhecimento de Deus e da Sua obra e ainda ser Igreja de Deus. É quase
certo que aqueles que negam a necessidade da Teologia na vida da Igreja
não diriam, conscientemente, que alguém pode ser cristão sem conhecer a
Deus. O que lhes falta é um bom conhecimento do que é Teologia e de
suas implicações.
Como
podemos conhecer a Deus sem estudar a revelação que Ele faz de Si
mesmo? Como saber quem Ele é e o que Ele tem feito e faz, quem somos nós
em relação a Ele, o que Ele requer de nós,etc., se não investigarmos o
que Ele deixou revelado para nosso conhecimento? Pois esse é o trabalho
da Teologia. Esse trabalho parte de três pressupostos: O primeiro é o de
que Deus existe; o segundo, de que Ele pode ser conhecido, embora não
de modo exaustivo e completo; e o terceiro, de que Ele tem Se revelado
tanto por meio de Suas obras (criação e providência - Revelação Geral -
Sl19:1,2; At 14:17), como, principalmente, nas Santas Escrituras
(Revelação Especial - Hb1:1,2; 1 Pd 1:20,21). É porque Deus Se revelou
que podemos conhece-Lo. Nosso conhecimento de Deus não é intuitivo, nem
natural, mas comunicado por Ele mesmo através dos meios que
soberanamente escolheu. “Fazer teologia”, portanto, não é inventar
teorias a respeito de Deus e de Suas obras, nem mesmo “descobrir” a
Deus, mas conhecer e compreender a revelação que Ele próprio deu de Si.
Por isso, qualquer estudo de Deus que não tiver a Sua revelação como
base, meio e princípio regulador não é “teologia”, devidamente
entendida.
A
palavra “teologia” não ocorre na Bíblia e o termo que lhe é
equivalente, no N.T., é “doutrina” ( “didache” ou “didaskalia”, no
grego), que vem de uma raiz que significa “ensinar” e pode se referir
tanto ao ato de ensinar, propriamente, como ao conteúdo do que é
ensinado (Rm 6:17;1Tm 6:3-4; 2Tim 4:3-4; Tito 1:2,9, etc.). Podemos
dizer, de modo mais completo agora, que Teologia é o conjunto de
verdades extraídas dos ensinos bíblicos a respeito de Deus e de Sua
obra, e que são apresentadas de modo sistemático, na forma de um corpo
de doutrinas. A essa forma ordenada de doutrinas, dá-se inclusive, o
nome de “Teologia Sistemática”. O adjetivo aqui, não altera o conceito
de “teologia”.
Assim
entendidas, fica evidente que não há diferença entre Teologia e
Doutrina. Mas voltemos ao nosso tema. Duas são as razões geralmente
apresentadas para se dizer que a Igreja não precisa de Teologia. Elas se
baseiam em duas falsas antíteses:
1. A primeira é a suposição de que o Cristianismo se baseia em fatos e não em doutrinas.
Concordamos que nossa salvação não repousa sobre um conjunto de teorias
ou idéias, mesmo que extraídas corretamente da Bíblia, a que damos o
nome de “doutrina”, mas sobre os atos poderosos e eficazes do nosso
soberano Deus. Não somos salvos através de uma correta teoria a respeito
da pessoa de Cristo, mas pela própria pessoa de Cristo; nem através de
um exato entendimento da doutrina da Expiação, mas pelo próprio ato
expiatório. É possível alguém ser “bom teólogo”, nesse sentido, e ainda
não experimentar as graças ensinadas nas doutrinas que expõe. A doutrina
realmente não salva. A obra de Cristo, devidamente aplicada pelo
Espírito no coração do crente, é que assegura essa graça. Seu nascimento
sobrenatural, Sua vida de perfeita obediência à Lei, Sua morte
substitutiva, Sua ressurreição, Sua ascensão e assentamento à direita
do Pai, Sua segunda vinda, são os grandes fatos que tornam garantida a
salvação dos eleitos.
Mas
como sabemos que esses são os fatos? Que sentido teriam esses
acontecimentos se não tivessem sido interpretados? É a doutrina que lhes
dá sentido. Como viemos a saber que aquele menino que nasceu em Belém é
o Filho de Deus? Por que descansamos na eficácia da Sua morte para a
expiação dos nossos pecados? Por que sabemos que a Sua ressurreição, há
dois mil anos atrás, garante a nossa justificação? É porque esses fatos
são todos explicados e interpretados pela doutrina. Esta não só informa o
fato como também dá o seu significado. A doutrina não salva, mas pode
tornar o homem sábio para a salvação (2Tm 3:15). Doutrina sem fato é
mito, mas fato sem doutrina é mera história.
O
Cristianismo, portanto, consiste em “fatos que são doutrinas e
doutrinas que são fatos”, na expressão de B.B. Warfield. Ele diz: “A
Encarnação é uma doutrina: nenhum olho viu o Filho de Deus descer dos
céus e entrar no ventre da virgem; mas se isso não for um fato histórico
também, nossa fé é vã e permanecemos ainda em nossos pecados”(
Selected Shorter Writings, vol 2, p. 234). Fato e doutrina se
complementam no Cristianismo. Quando João diz: “E o Verbo se fez carne, e
habitou entre nós, cheio de graça e de verdade” (Jo 1:14), não está
apenas apresentando um fato; está explicando-o também. Quando Paulo
afirma que Jesus “foi entregue por causa das nossas transgressões,e
ressuscitou por causa da nossa justificação” (Rm 4:25), de igual modo
está dando uma interpretação aos fatos da morte e ressurreição de
Cristo. Isto é o que se vê em toda a Escritura, especialmente nas
epístolas.
Até
mesmo os fatos manifestos na natureza (Revelação Geral) não seriam
devidamente compreendidos se não fossem explicados pela Bíblia
(Revelação Especial). Podemos hoje entender que “os céus manifestam a
glória de Deus” (Sl 19:1) porque o Criador nos tem revelado isso na Sua
Palavra. Sem essa explicação, sua mensagem (a dos céus) passaria
despercebida e eles poderiam até ocupar o lugar do Criador, gerando a
idolatria (devido ao pecado), como lemos em Rm 1:18-32. Não é o acontece
quando as pessoas dizem que “a natureza é sábia”, ou quando a chamam de
“mãe natureza”?. Sem a revelação do Criador, a criatura toma o seu
lugar. Daí dizer-se que para se conhecer a Deus é preciso que Ele fale, e
não somente que Ele aja.
Concluímos,
portanto, que os fatos só têm sentido quando acompanhados da doutrina.
Nem é pertinente perguntar qual dos dois é mais importante. Seria o
mesmo que indagar qual das duas pernas é mais importante para o nosso
caminhar. O ensino da doutrina é uma das ênfases da Bíblia (1Tm 3:2; 2Tm
2:2; Tito 1:9; Ef 4:11), pois sem ela não existe verdadeiro
Cristianismo.
2. A segunda é a suposição de que o Cristianismo consiste em vida, não em doutrina.
Por trás dessa afirmação podem estar raízes do conceito filosófico que
exalta o misticismo, as emoções, o sentimento religioso do homem, e que
procura eliminar da religião todo apelo ao intelecto, à razão.
“Religião é vida e a vida é dinâmica, fluente; a doutrina é estática,
fria, e, portanto, não pode ser compatível com o caráter do
Cristianismo”, dizem. Aqueles que assim pensam até admitem um certo tipo
de doutrina, desde que mutável, adaptada sempre à dinâmica da vida e
conformada às “necessidades” da época e do lugar onde a vida do
Cristianismo se manifesta. Até chamam a isso de “teologia
contemporanizada” ou “contextualizada”. Segundo esse ponto de vista, não
é a doutrina que deve dirigir a vida, mas esta àquela. “A letra mata,
mas o espírito vivifica”, argumentam. A prática (práxis) é colocada
acima da doutrina não só em importância, mas também no tempo: a doutrina
passa a ser um produto da vida cristã, não a sua norma. Há até quem
interprete assim a célebre divisa: “Igreja reformada sempre se
reformando”.
Mas será essa a visão bíblica do Cristianismo? Podemos dizer, com
base na palavra de Deus, que o Cristianismo é vida e não doutrina, ou,
primeiramente vida, depois doutrina? Existe tal antítese? Se essa
posição for verdadeira, então não haverá verdade absoluta, nem princípio
fixo, nem revelação objetiva. Tudo cairá no campo dos valores relativos
e passará a depender do subjetivismo, da “piedade”, das emoções. Não
admira que haja tanta “fluidez” e instabilidade entre os que assim
pensam, e que sejam facilmente levados “por todo vento de doutrina”.
Para estes, a doutrina é o que menos interessa.
Concordamos
também que Cristianismo é vida, e graças a Deus por isso! Onde a vida
não se manifesta, nos moldes escriturísticos, falta a alma da
verdadeira religião. Mas devemos ou podemos prescindir da doutrina para
que essa vida se manifeste? Antes de tudo, é a verdade de Deus relativa?
Depende o seu valor do lugar e da época em que se encontram os homens?
Sabemos que esta é a posição atual dos que se denominam pluralistas e
esse é o pressuposto básico desta posição. Será que aquilo que foi
deixado por Paulo e pelos outros apóstolos como doutrina para os seus
dias deveria ser mudado nos dias de Agostinho, depois nos dias de Lutero
e Calvino, depois nos dias de Warfield e dos Hodge e, assim,
sucessivamente, até os nossos dias, para dar lugar às manifestações de
vida? Não creio que a Bíblia justifique essa posição nem que esses
teólogos a tenham entendido assim. O princípio de que “a Igreja
reformada deve estar sempre se reformando” visa manter sempre a mesma
posição em relação à verdade, não alterá-la, para que seja aplicável em
todas as épocas. É para que continue sempre sacudindo de si toda
tradição e acréscimo humano que não estejam de acordo com os valores
fixos e absolutos da palavra de Deus. Reformar é voltar às origens, ao
que foi intencionado no princípio por Deus. E não há outra forma de se
fazer isto a não ser pela doutrina.
Foi
a doutrina bíblica, tão bem exposta pelos reformadores e tão
negligenciada pela Igreja, que a trouxe de volta às origens e lhe
recuperou a vida, no século XVI. Foi a falta da verdadeira doutrina que
enfraqueceu a Igreja e a lançou num tradicionalismo vazio e pagão. É a
correta aplicação da doutrina que produz a verdadeira vida cristã. Não
basta apenas um sentimento religioso para fazer de um homem um cristão. É
preciso que sua vida seja moldada na doutrina de Cristo. É a doutrina
que dá característica à vida.
Sem
dúvida, não estamos afirmando que apenas a doutrina, independente da
obra santificadora do Espírito, produz vida. A doutrina é, isto sim, o
meio que o Espírito soberanamente usa para nos fazer conhecer a vontade
de Deus e nos levar a praticá-la. É através dela que ficamos sabendo que
a vontade de Deus é a nossa santificação e que, sem esta, ninguém verá o
Senhor (1 Ts 4:3; Hb 12:14). É ela que nos aponta os meios de graça
deixados pelo próprio Senhor, que é quem nos santifica (Lv 20:7-8; Ef
5:26). Nas epístolas paulinas, a íntima relação entre doutrina e prática
é evidenciada pelo seu método de apresentar primeiro a argumentação
teológica (doutrinária) para depois tirar as implicações práticas dela
decorrentes (Ex. Rm 1-11: doutrina; 12-16: prática). Isso se torna ainda
mais claro na oração sacerdotal de Cristo, em que Ele associa a prática
da santificação com a doutrina da Palavra: “Santifica-os na verdade; a
tua palavra é a verdade” (Jo 15 :17) e em João 7:17, onde o fazer a
vontade de Deus está ligado ao conhecer a doutrina: “Se alguém quiser
fazer a vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus
ou se eu falo por mim mesmo”.
O
conhecimento de Deus começa pela porta do intelecto, da razão, para
depois pervadir todas as áreas do ser e se transformar em manifestações
de vida que O agradem e glorifiquem. Por isso, o ensino da doutrina é
indispensável na Igreja, tanto através do púlpito como pelos estudos
semanais, pela Escola Dominical e por qualquer outro meio disponível.
Nossa demonstração de vida pode impressionar as pessoas e despertar
nelas certa admiração, mas é pela pregação da Palavra que vem a fé que
transforma (Rm 10:7) A espada do Espírito é a Palavra (Ef 6:17).
Conclusão
Concluímos, portanto, que a Igreja precisa da Teologia, porque precisa
da doutrina nela contida para dar sentido e expressão aos fatos do
Cristianismo e para prover os meios de manifestação da verdadeira vida
cristã.
Fonte: [ www.ipcb.org.br ]Via: [ Eleitos de Deus ]
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