O irmão crente do ateu Hitchens
Quase
por acaso me caiu nas mãos um livro escrito pelo irmão do famoso ateu
Christopher Hitchens. Eu estava numa reunião em São Paulo com um
representante de uma conhecida editora, discutindo sobre a publicação de
um livro de minha autoria. Ao término da reunião ele me entregou um
livro em inglês e disse que ele havia sido cogitado para ser traduzido
em português e publicado no Brasil, mas a editora decidiu não fazer por
entender que não teria público para ele.
Tratava-se de "The Rage Against God -
How atheism led me to faith" ["A Ira contra Deus - Como o Ateísmo me
Levou à Fé"], de Peter Hitchens, publicado em 2010 pela Zondervan. Meu
amigo me perguntou se eu tinha interesse no assunto. Respondi que sim
pois, coincidentemente, eu havia tentado trazer Christopher Hitchens
para um debate sobre ateísmo e fé em Deus no Mackenzie ano passado. A
tentativa acabou fracassando porque Christopher foi diagnosticado com
câncer e cancelou os compromissos internacionais. Ganhei o livro de
presente. E aproveitei uma viagem aos Estados Unidos, as horas monótonas
de vôo e a espera em aeroportos, para lê-lo.
Embora Richard Dawkins seja o ateu mais
famoso do mundo, Christopher Hitchens tem sido considerado por muitos
como mais eficiente em promover o ateísmo. Extremamente inteligente,
excelente debatedor e movido por uma raiva profunda contra Deus e o
Cristianismo, bem como contra as religiões em geral, Christopher tem
empreendido uma cruzada ao redor do mundo - impedida agora em parte por
sua doença - contra a fé em Deus, que ele considera a raiz de todos o
males que já acometeram a raça humana.
Qual não foi minha surpresa ao descobrir
que ele tem um irmão, Peter Hitchens, igualmente inteligente e capaz,
que seguiu o caminho contrário de seu irmão ateu. Neste livro, Peter conta como
ele e Christopher perderam a fé em Deus por volta dos 14 anos de idade.
Ambos foram criados num lar protestante na Inglaterra. Seus pais eram
da Igreja Anglicana e costumavam freqüentar os cultos, embora fossem
cristãos nominais.
A secularização brutal da Europa depois
das guerras, o avanço do racionalismo e a perda da esperança e da
confiança nos valores que um dia marcaram a Inglaterra levaram ambos a
se declarar ateus quando ainda na escola. Peter celebrou sua libertação
da religião e de Deus queimando uma Bíblia King James no pátio da
escola, perante seus amigos.
Tanto Christopher quanto Peter se
tornaram jornalistas bem sucedidos. Christopher se tornou cada vez mais
raivoso contra a fé em Deus e aos poucos colocou como alvo supremo de
sua vida atacá-la e destruí-la de todas as maneiras possíveis. Peter
permaneceu ateu, e embora desprezasse profundamente todos que cressem
Deus, não tinha a atitude beligerante de seu irmão.
No livro, Peter atribui seu retorno à fé
a alguns fatores. Primeiro, sua experiência na Rússia durante cinco
anos como correspondente estrangeiro. A frieza, dureza, desconfiança,
rudeza e desumanidade da cultura e civilização da Rússia ateísta, bem
como o fracasso do socialismo ateu o levou a uma comparação com a
civilização cristã da Inglaterra. Segundo, sua experiência no Iraque
como correspondente durante a guerra do Golfo. Ali, mais uma vez, ele
percebeu a diferença de uma cultura moldada pelos valores cristãos.
O sub-título do livro, "Como o Ateísmo
me levou à fé," é uma referência à constatação que Peter fez, em contato
com culturas anti-cristãs, do efeito destruidor do ateísmo na vida das
pessoas. Num certo sentido, é o contra argumento da bandeira levantada
por seu irmão ateu, Christopher, de que a fé em Deus está por detrás dos
maiores males ocorridos na humanidade. Aparentemente, Christopher não
levou em consideração os males causados pelos regimes socialistas
ateístas.
O evento aparentemente decisivo para a
conversão de Peter ocorreu uma vez em que ele estava viajando pelo
interior da França com sua namorada. Acabaram visitando uma igreja do
século XVI onde há uma pintura famosa de Rogier van der Weyden, chamada
de "O Último Julgamento". Ao contemplar a parte do quadro em que os
ímpios, em horror, caminham para o inferno em chamas, ele foi abalado
por um medo incompreensível de que, se realmente houvesse um inferno,
ele seria um dos condenados a passar a eternidade em tormentos.
Peter saiu dali abalado e aos poucos
começou a perder sua fé humanista num mundo sem Deus. Ele sentiu que
precisava de uma fé que trouxesse sentido ao mundo. E assim, sua jornada
de volta começou. Mais tarde sua namorada, uma marxista atéia, também
se tornou crente em Jesus Cristo. Ambos se tornaram membros da Igreja
Anglicana, onde permanecem até hoje.
Fiz algumas contatações da leitura do
livro. Primeiro, que ser ateu é uma decisão que uma pessoa toma "pela
fé". O ateísmo é uma religião tanto quanto o Cristianismo. Segundo, que
Deus é poderoso para mudar corações, transformar vidas, arrebentar
bastiões da incredulidade e salvar homens e mulheres para Sua glória,
quando humanamente falando não haveria possibilidades. Terceiro, que não
devemos perder as esperanças com nossos jovens, quando mostram
fascinação pelos argumentos aparentemente científicos apresentados pelos
evangelistas do ateísmo como Dawkins e Hitchens. Oremos para que cedo
ou tarde eles percebam que ser ateu é uma escolha precedida por um ato
de fé, e não a conseqüência lógica da ciência.
Quando Christopher Hitchens foi
diagnosticado com câncer, alguém lhe perguntou se isto não o faria rever
sua posição. Ele respondeu sarcasticamente, "se você me vir dizer que
agora creio em Deus, é porque o câncer já comeu meu cérebro."
Veremos. O Deus que mudou a vida de seu
irmão pode também mudar a vida de Christopher - sem que ele tenha de ter
seu cérebro atingido pelo câncer.
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