Sutilezas da teologia
Túmulo vazio - jardim da tumba, Jerusalém |
Prezado leitor,
Alguém me mandou o texto Adão e Eva somos nós.
Título que chama a atenção e conecta imediatamente quem conhece a
história bíblica com a realidade, afinal, como descendentes de Adão e
Eva carregamos todos os dias as marcas do seu pecado em nossa natureza e
herdamos a 'originalidade do pecado' (a doutrina do pecado original
afirma a verdade bíblica da universalidade do pecado - Rm 5:12-14).
Entretanto, fiquei incomodado com algumas afirmações feitas no texto.
Ainda que eu seja como Adam, formado como ele e caído como ele,
culpado como ele e sujeito aos mesmos erros e condenação, não sou Adão.
Ele foi um personagem na história da humanidade, o primeiro ser humano
criado por Deus, assim como Jesus, a segunda pessoa da Trindade,
encarnou-se e veio ao mundo num lugar, dia e hora específicos. Não é uma
questão de ótica e ideia a respeito da humanidade, mas o relato da
história da criação e queda, por mais embaraçoso que possa ser para
qualquer um. Diante disso, pensei se algo semelhante não poderia ser
escrito a respeito de Cristo e dos Evangelhos. Veja como fica:
Você pode interpretar a história
de Jesus como uma descrição de como as coisas aconteceram. Mas pode
também interpretar como descrição de como as coisas acontecem. Pode ser
uma história que conta como as coisas foram, ou como as coisas são.
Pessoalmente, opto pela segunda alternativa. Não me interesso tanto em
saber se as coisas foram daquele jeito ou não, não estou preocupado com a
literalidade da narrativa, que aliás, me traz mais embaraços que
esclarecimentos: houve mesmo um menino nascido de uma virgem e concebido
pelo Espírito Santo? e aquela história da estrela e dos sábios do
oriente? e aqueles milagres e expulsões de demônios? alguns pães e
peixes para alimentar 5000 pessoas? o que será que fizeram do que
sobrou? andar sobre as águas? túmulo vazio e ressurreição dentre os
mortos? anjos anunciando a ressurreição e depois Jesus atravessando
paredes e comendo junto do mar? será que a comida não atravessou
direto?
A história de Jesus, sua morte e
ressurreição, visa a comunicar a ótica cristã da necessidade humana de
se relacionar com Deus por meio do sacrifício pessoal e do dar-se aos
pobres e necessitados. O autor bíblico não está preocupado em descrever o
processo mecânico de um sacrifício para cumprir a justiça do Deus
daquela cultura antiga. Seu texto não tem a pretensão das religiões
pagãs, que tratam de um Deus que foi ofendido pelo pecado de Adão e Eva,
mas de uma religião do amor, que têm por objeto a complexidade do
humano e suas relações.
Jesus
Cristo somos nós quando nos entregamos ao próximo, sem tentar definir o
bem e o mal, o certo e o errado, sem ambição e auto-suficiência,
buscando o bem dos outros e suas necessidades. Somo Jesus Cristo quando
não optamos pela competição em detrimento da cooperação, deixamos a
violência e damos lugar ao diálogo...
Pois é leitor, afirmações sutis podem
parecer belas, mas destroem a fonte de autoridade bíblica na revelação
registrada e a doutrina reformada do Tota Scriptura. Não estou
afirmando que o autor do texto citado no início vá concordar com a
paródia acima. Mas estou apontando o fato de que desprestigiar a
autoridade do texto bíblico pode nos colocar em posição estranha com
relação à Escritura. Esta tem sido a proposta, tanto do antigo
liberalismo como da mais piedosa e moderna neo-ortodoxia.
Pois eu, entre as duas leituras, fico com a primeira, fico com a narrativa das Escrituras, suas consequências e seu embaraço!
Nenhum comentário:
Postar um comentário