"Os Calvinistas Estão Chegando" [Por ocasião dos 494 anos da Reforma]
O crescimento do interesse pela fé reformada em todo o mundo é um
fato que tem sido notado aqui e ali pelos estudiosos de religião.
Crescem em toda a parte a publicação de literatura reformada, o
ingresso de estudantes em seminários e instituições reformadas, a
realização de eventos, o surgimento de novas igrejas e instituições de
ensino reformadas e o número de pessoas que se dizem reformadas.
Como se trata de um rótulo, é preciso definir “reformado.” Como já
temos dito em outros posts neste blog, por “reformado” entendemos
aquele que adere a uma das grandes confissões reformadas produzidas
logo após a Reforma protestante no século XVI, aos cinco grandes pontos
dessa Reforma, que são Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fides, Solus
Christus e Soli Deo Gloria e aos chamados Cinco Pontos do Calvinismo,
resumidos no acrônimo TULIP (Depravação total, Eleição incondicional,
Expiação limitada, Graça irresistível e Perseverança final). Muito
embora alguns não gostem do nome, quem adere a tudo isso acima não deixa
ser um calvinista.
Como bem me lembrou Mauro Meister
quando eu escrevia esse post, existe um grande número de igrejas que
são da "tradição reformada" mas que já não crêem de maneira ortodoxa
quanto a estas doutrinas. Geralmente essas igrejas não estão
experimentando esse crescimento, mas um esvaziamento, como a Igreja
Presbiteriana dos Estados Unidos e outras denominações historicamente
ligadas à Reforma, mas que já não professam de forma estrita seus
postulados.
Da Coréia, China, Indonésia, por exemplo, chegam
relatórios do florescimento calvinista. É claro que o calvinismo acaba
recebendo diferentes interpretações e expressões em tantas culturas
variadas, mas os pontos centrais estão lá.
Isso não quer dizer que os reformados calvinistas são muito
numerosos, comparados com pentecostais e arminianos, por exemplo. O que
eu quero dizer é que os relativamente poucos reformados calvinistas
têm experimentado um crescimento que já chama a atenção de muitas
denominações e tem provocado alertas da parte de seus líderes.
Vejam o que está ocorrendo na maior denominação evangélica dos
Estados Unidos, os Batistas do Sul. A prestigiosa revista evangélica Christianity Today trouxe um artigo
em que documenta a reintrodução do calvinismo através dos seminários
nessa denominação. O ressurgimento do calvinismo entre os Batistas do
Sul é mais antigo, leia aqui.
Considerados de orientação arminiana de longa data (apesar de alguns
documentos fundantes serem calvinistas), os Batistas do Sul estão vendo o
calvinismo sendo transmitido nos seminários, não tanto por
professores, mas pelos próprios alunos. Alarmada, a Convenção Batista
de Oklahoma oficialmente rejeitou a teologia reformada e mandou cópia
da condenação para a Comissão Executiva da Convenção Batista do Sul.
De acordo com o artigo da Christianity Today, 10% dos pastores da
Convenção já se declaram calvinistas e perto de 30% dos concluintes dos
seminários fazem a mesma afirmação. A continuar nesse ritmo, em breve
teremos um grande reavivamento calvinista no coração da maior
denominação arminiana conservadora dos Estados Unidos. Veja aqui a história de como a doutrina da predestinação chegou a dois seminários arminianos.
A ressurgência calvinista nos Estados Unidos não está ocorrendo
somente entre os Batistas, mas entre muitas outras denominações. Leia aqui
um artigo da Christianity Today sobre o assunto. Um dos motores é o
ministério de pastores reformados populares, como John Piper, R. C.
Sproul, Mark Driscoll, J. C. Mahaney, Paul Washer e John MacArthur,
entre outros. Os eventos promovidos por eles recebem milhares de
pastores de todas as denominações e seus livros são traduzidos em
dezenas de línguas, inclusive em português. No Brasil temos quase todos
os títulos destes autores.
Em menor escala, estamos assistindo ao mesmo processo em meio aos
batistas brasileiros. Cresce o número de batistas interessados na
teologia reformada. Recentemente assistimos à formação da Comunhão
Batista Reformada, composta de batistas calvinistas que não conseguiam
mais espaço em suas convenções para expressarem as suas opiniões.
Mas, o interesse maior na fé reformada no Brasil parece ser da
parte dos pentecostais. Cresce a presença de pastores e líderes
pentecostais nos grandes eventos reformados no Brasil. Cresce também o
número de pentecostais que estão adquirindo literatura reformada. E
cresce o número de igrejas pentecostais independentes que estão
nascendo já com uma teologia influenciada pelo calvinismo. Algumas
denominações pentecostais também vêm recebendo a influência calvinista a
passos largos. Tenho tido o privilégio de pregar e ministrar palestras
em eventos de grande proporção organizados por instituições
pentecostais interessadas em explorar os grandes temas reformados.
O ministério de editoras que publicam material reformado, como a
Editora Cultura Cristã, a Fiel e a Publicações Evangélicas
Selecionadas, por exemplo, tem servido para colocar as obras de
reformados brasileiros e internacionais nas mãos dos evangélicos
brasileiros ávidos por uma teologia consistente, e cansados dos
excessos do neopentecostalismo e da aridez do liberalismo teológico.
Não tenho uma explicação definitiva para esse fenômeno do retorno
da TULIP, a não ser a de que a providência divina assim o deseja. No
mínimo, é curioso que uma fé tão perseguida e odiada como o calvinismo,
de repente, passe a ter tanta aceitação. Não há ninguém na história da
Igreja tão mal entendido, distorcido, vilipendiado, odiado e
amaldiçoado quanto João Calvino. Chamado de tirano, déspota,
incendiário de hereges, frio, duro, determinista, criador do
capitalismo selvagem, Calvino tem sofrido mil mortes nas mãos de seus
detratores, os quais, na maioria das vezes, nunca leram sequer uma de
suas obras, e que formaram sua opinião lendo obras de terceiros.
Somente espero que, à medida que o movimento cresça no Brasil, os
reformados aprendam a reter o que é essencial e bíblico na Reforma, sem
tornar em matéria de fé aquilo que pertenceu a séculos passados em
outras culturas, como, infelizmente, já tem acontecido no Brasil com
alguns grupos. Que eles lembrem que a fé bíblica, que é a fé da
Reforma, também pode se expressar dentro da rica e variada cultura
brasileira.
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