terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Muito mais que cinco pontos

por Josaías Jr.
Vivendo para a Glória de Deus: Uma introdução à fé reformada
Lembro que, há alguns anos, um amigo me recomendou um livro chamado Calvinismo. Ele sabia que eu já conhecia e concordava com aquilo que chamamos de os cinco pontos do Calvinismo, doutrinas da graça ou o famoso TULIP. Então, por que estava me indicando esse livro? Claro que é sempre bom ler e reler sobre a salvação que Cristo conquistou, mas ele falava como se fosse algo novo para mim.
Ele prosseguiu: “esse é um livro chamado Calvinismo que não fala sobre a doutrina da predestinação, sobre expiação ou qualquer outro assunto da salvação”. Ele falava do clássico de Abraham Kuyper, em que o antigo primeiro-ministro holandês (1837-1920) apresenta uma visão calvinista da política, das artes, da ciência, da religião e do futuro.  Parecia uma coisa estranha na época, mas hoje entendo que a teologia reformada vai além dos cinco pontos. Se o cristianismo é verdadeiro, então ele é verdadeiro em todas as áreas, não apenas em questões relacionadas à salvação, igreja e vida devocional.
Se Deus é o criador do trabalho, da família, da comida e do corpo, e se ele é fonte de todo governo, beleza e conhecimento, faz sentido que haja parâmetros bíblicos para esses assuntos também.
O livro Vivendo para a Glória de Deus: uma introdução à fé reformada, de Joel Beeke (e alguns colaboradores), segue essa ideia ao apresentar a visão calvinista das grandes áreas da vida humana, e não apenas da salvação.  Dividido em cinco partes, nos dá não apenas uma introdução (como sugere o título), mas uma pesquisa profunda sobre o pensamento de João Calvino e seus contemporâneos, dos puritanos e dos seguidores do movimento reformado.
A primeira parte, chamada Calvinismo na História, apresenta o contexto histórico que levou ao surgimento do pensamento reformado na Europa dos séculos XVI e XVII, além de uma apresentação das principais confissões que se seguiram ao surgimento da Igreja Reformada. Embora seja importante apresentar ao iniciante no calvinismo suas origens, trata-se da seção mais cansativa do livro e pode desanimar alguns. Porém, o leitor mais paciente será presenteado com informações úteis, que servirão de embasamento às próximas seções, mais interessantes e mesmo mais edificantes.
A segunda parte chama-se Calvinismo na mente,  e nela aprendemos sobre os cinco pontos, os cinco lemas da Reforma (os famosos sola) e uma introdução à filosofia calvinista. Novamente, essa é uma seção que será de muito proveito para o leitor iniciante. Ele será apresentado às doutrinas da graça, conhecerá alguns questionamentos a esses pontos e descobrirá, claro, as respostas a essas objeções.
Calvinismo, de Abraham Kuyper
As três seções seguintes, que apresentam o Calvinismo no coração, na igreja e na prática expandem a teologia reformada para além da salvação e contém os capítulos que, na minha opinião, são os melhores  e mais desafiadores do livro.  Somos convocados por Beeke e seus colaboradores a viver uma vida de santificação, conforme ensinada pela Bíblia e exposta por Calvino e pelos puritanos. Não é um desafio pequeno, e Joel Beeke nos exorta a seguirmos a piedade no dia que se chama hoje.
“É crucial que vivamos cada dia em total compromisso com Deus, formando hábitos de santidade, desarraigando toda inconsistência e evitando tornar-nos presas da síndrome do ‘só mais uma vez’. Lembre-se que a obediência postergada é o mesmo que desobediência. A santidade de amanhã é impureza agora. A fé de amanhã é incredulidade agora.” (p.227)
Talvez, por conta da distorção do pensamento moderno sobre quem eram os puritanos, o leitor se sinta desanimado a ler essa obra. A ideia de aprender sobre homens que usavam perucas brancas, vestiam-se de preto e estavam sempre de mau humor não é nada atraente. Porém, não é sobre eles que você lerá. Nos capítulos sobre esses homens de Deus, a velha imagem de senhores frios, mau humorados e legalistas é desfeita. Beeke e seus colaboradores nos apresentam esses homens como crentes fervorosos, amorosos e preocupados com o crescimento espiritual da igreja. Eles tinham falhas, mas dificilmente elas justificam a distorção que muitos incrédulos, e mesmo cristãos, pintam deles.
Veja, por exemplo, duas citações puritanas sobre o casamento e sobre a família, respectivamente:
“O homem cujo coração está preso à mulher que ele ama sonha com ela à noite, tem-na em seus olhos e percepção quando acorda, medita nela quando senta à mesa, anda com ela quando viaja e conversa com ela aonde vai… Ela se reclina no peito dele, cujo coração confia nela; e isso leva todos a confessarem a torrente de afeição dele, como um rio impetuoso, corre a toda força, transbordante.” (Thomas Hooker)
“Em toda a educação dos filhos, a principal parte de nosso cuidado e labor deve ser mostrar-lhes a santidade como o estado de vida mais necessário, honroso, proveitoso, agradável, deleitável e aprazível; e evitar que eles compreendam-no como algo desnecessário, desonroso, prejudicial e desagradável.” (Richard Baxter)
Os puritanos eram homens que conseguiam equilibrar a alegria e a seriedade que a vida cristã exige e o Dr. Beeke, como profundo conhecedor do puritanismo, nos prova isso com as inúmeras citações que faz desses discípulos de Cristo.
Joel Beekepedia
Aliás, não surpreende que Joel Beeke tenha escrito um dicionário sobre os puritanos recentemente – a quantidade de diferentes livros e autores citados em Vivendo para a Glória de Deus nos mostra a capacidade enciclopédica do autor, a ponto de algumas páginas serem ocupadas quase completamente por citações (o que pode ser um pouco cansativo, às vezes, mas importante para os que gostam de fontes primárias). Falando em citações, é importante parabenizar o complicado trabalho da Editora Fiel de usar as citações dos livros brasileiros, quando as obras estão disponíveis em nosso mercado, e não repetir simplesmente os títulos dos livros estrangeiros.
Vivendo para a Glória de Deus cumpre aquilo que seu título propõe: nos apresenta homens que procuraram este alvo para sua vida e nos chama a seguir o seu padrão, não apenas na igreja, mas em todas as áreas da vida. Se você que aprender mais sobre a teologia e a prática reformada, além da história do protestantismo, esse livro é muito recomendado. Não é uma leitura simples, mas é altamente recompensadora.

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